Para não ser acusada de tudo e do seu inverso, deixem-me deixar aqui a minha declaração de intenções: sou o resultado do sistema público ou quasi público de ensino do pós 25 de Abril de 1974. Andei na escola onde todos os outros meninos andavam até à maioridade, num Alentejo que se diz mais ou menos profundo, distante, num tempo em que as condições eram muito piores do que as que ainda se sentem hoje.
Entrei numa universidade pública onde fiz a licenciatura, depois faria ainda um mestrado e um doutoramento em universidades públicas. A excepção foi um curso de especialização numa universidade semi-pública ou semi-privada (confusões normais do nosso sistema legal de denominação de instituições). Nunca estudei num politécnico, nunca leccionei num politécnico, conheço a sua realidade através de amigos e conhecidos, sendo este conhecimento restrito a uma área geográfica.
Com esta minha experiência e com aquilo que conheço das melhores universidades do país, e quando digo melhores não digo que são sempre boas ou excepcionais, não posso deixar de ficar abismada com as notícias que aqui e ali surgiram nos últimos dias em vários meios de comunicação social: uma proposta feita num relatório de peritos da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Económico (OCDE), onde se aconselha que os politécnicos passem a ter a possibilidade de atribuição do grau de doutor, até ao momento apenas garantido pelas universidades.
Entendo que os presidentes dos politécnicos defendam esta posição, que se congratulem com a mesma: envolve mais financiamento, mais estatuto, mais poder, mais desenvolvimento, etc. O que não me parece é que haja certeza de que esta seja uma ideia muito boa para o país, nem necessariamente para aqueles que ali decidirem estudar a este nível académico.
As universidades já travam uma grande luta para garantir o número de doutores a leccionar em programas doutorais (não invulgarmente ainda são baixas as médias de docentes com doutoramento por doutorando) e, quando o fazem, não é raro que o façam à custa de jovens docentes convidados nas más condições laborais que aqui referi noutras ocasiões. Como poderão os politécnicos providenciar qualidade pelo menos ao mesmo nível das universidades?
Poderá até mesmo haver investimento nas pessoas (com mais empregos?) que vão leccionar estes programas, e até considero que a média geral das qualificações aumente, mas temos essa garantia? Onde estão os estudos sobre isto? Casos onde idêntica experiência se fez? Deveremos investir e atribuir doutoramentos se tal não se reflectir no que deve: uma melhoria do país. Não será melhor dar “ferramentas” de outro género aos trabalhadores?
Muitas mais questões se me oferecem, pois nem sempre mais é melhor, e ainda que existam critérios (existem?), como não duvidar da maneira institucional como se contornam certos problemas: geralmente não os resolvendo.
Em Democracia, a educação é um pilar central. Muitas vezes, a função dos politécnicos é a de contribuir para a equidade regional, para uma melhoria da vida das pessoas nas suas zonas de origem. Mas não nos iludamos, não ludibriemos os futuros estudantes (se isto avançar). Se estiverem fora da endogâmica rede de ensino, também existente ao nível regional, será que alguém os empregará por terem um doutoramento? Especialmente um doutoramento feito num politécnico? Terão mais conhecimentos que antes ou apenas um papel na mão, depois de vários anos de sacrifício e de expectativas goradas?
A autora escreve de acordo com a antiga ortografia.