Perguntei ao meu irmão como estão as coisas e ele responde que tudo está calmo. “Demasiado calmo.” A pergunta requer contexto.

Viajou até ao Líbano há uma semana, mesmo consciente da possibilidade de uma escalada de violência, devido ao conflito entre Israel e o Hezbollah, na zona a sul do país. “Sabes como são as coisas aqui”, remata ele.

As pessoas continuam as suas vidas nessa estranha calma, a roçar o irracional, sem fazer cedências ao medo ou à instabilidade, adaptando-se ao frágil equilíbrio à beira do precipício. São casos extremos de populações tão entorpecidas pelo estado constante de tensão e desgraça que não lhes resta muito mais do que continuar o seu caminho.

É um sentimento que tem vindo a alastrar e a ganhar território.

Perguntei à minha irmã como está a situação política em França, onde ela reside há mais de 20 anos, após as eleições no domingo passado. Diz-me que a sua região, na periferia de Paris, votou em peso na extrema-direita. Queixou-se que os anos Macron levaram a um enorme desgaste e revolta geral, sentimento esse fortemente explorado por movimentos populistas e nacionalistas.

O que seria impensável há 20 anos traduz-se, hoje numa resignação a estes novos tempos desafiantes. O novo fascismo do presente pode não aparentar ser tão implacável, mas está determinado a converter pessoas numa grande massa anónima, sem direitos, e que valem apenas pelo seu contributo para os cofres do Estado, sob a bota de uma linha ideológica ultraconservadora.

Em Portugal, estamos a experienciar as mesmas dinâmicas que o resto do mundo. Também nós não estivemos imunes a um choque inicial, que, entretanto, deu lugar à adaptação e até normalização. Muitos podem não compreender inteiramente como chegámos até aqui, mas a verdade é que a extrema-direita tem feito o seu caminho.

O ponto comum a todos estes países, em contextos sociais e políticos distintos, é a forma como observamos novas facetas mais subversivas e perigosas da “doutrina de choque”.

Em momentos de grandes transformações abruptas ou de crise permanente, há uma vulnerabilidade e desorientação geral que leva a que certos grupos e organizações se aproveitem para impor e controlar a sua linha ideológica, seja a nível económico, social ou político. Estamos a viver nesse ponto de grande fragilidade local e global, enquanto observamos muitos a aproveitar-se deste desnorte para forçar ruturas e retrocessos.

Nunca foi tão importante como agora recuperar destes múltiplos choques e permanecer firme, sem cedências.