Foi de repente, mas não foi exatamente uma surpresa completa. Após a ‘maré vermelha’ que inundou os mercados financeiros na semana passada, Jerome Powell, presidente da Reserva Federal norte-americana (Fed), havia na sexta-feira divulgado um curto comunicado no qual dizia que via o coronavírus como um risco para a economia e que o banco central iria usar as ferramentas à sua disposição e agir de forma apropriada para apoiar a economia.

A promessa animou os mercados acionistas no início da semana, com uma recuperação de segunda-feira a aliviar os sintomas depressivos nos índices. No entanto, quando o médico fez exatamente aquilo que tinha dito que ia fazer, dar uma injeção ao paciente na forma de um corte de 50 pontos base nas taxas de juro, a reação foi recebida com surpresa, pois não se esperava uma ação tão rápida.

Digerida essa mini-surpresa, a reação do paciente Wall Street não foi positiva. Após alguma volatilidade, os principais índices acionistas entraram em terreno negativo e fecharam a tombar quase 3%. O nervosismo da semana anterior regressou, pois o efeito principal do corte na federal funds rate foi de salientar ao mercado que o médico está realmente preocupado com a saúde da economia mundial em tempo de propogação de um vírus que já infetou mais de 90 mil pessoas e causou mais de três mil mortos.

Pode ter sido a receita errada, com uma ação que alguns analistas classificaram de “insuficiente”, “inútil” e até “prejudicial” e que só serviu para mostrar a magnitude do problema. A última vez que a Fed cortou as taxas de juro entre duas reuniões do Federal Open Market Committee foi a seguir à queda do Lehman Brothers. Não é exatamente um bom prenúncio.

A maioria dos analistas esperam mais cortes, eventualmente um já na reunião que termina no dia 18 deste mês. Numa altura em que uma recessão na economia global começa a deixar de ser uma miragem, a Fed poderá estar a esgotar cedo demais os medicamentos que tem na farmácia. Pior ainda, a decisão da Fed quase que ‘obriga’ o Banco Central Europeu a seguir pelo mesmo caminho na reunião da próxima semana. O problema é que Christine Lagarde herdou de Mario Draghi uma farmácia que tem ainda menos stock e tem de ser muito cautelosa na gestão da política monetária.

Por último, a decisão da Fed também não foi suficiente para um habitual crítico: Donald Trump. Mas isso já sabemos, o presidente dos EUA parece estar viciado em cortes nas taxas de juro e uma descida repentina de 50 pontos base não chegou, ele quer mais e mais.