Havia pensado escrever este artigo sobre como esquerda e direita são, nos seus extremos, um ponto de sobreposição de uma configuração circular, ao invés da normalmente assumida linha de pólos opostos, e como muitas das ideias dos partidos mais radicais são comuns entre si, algo que ficou explícito nas entrevistas aos candidatos do PCTP-MRPP e do PNR às europeias que a SIC Notícias fez o favor de transmitir, uma a seguir à outra.

Mas, no final da semana, os partidos mainstream e com assento parlamentar fizeram questão de dar um exemplo ainda melhor (ainda que incomparavelmente menos ideologicamente motivado) dessa mesma circularidade, com uma cobertura extra de hipocrisia e falta de rumo político.

Tenho de começar pela constatação de que, se sai algum vencedor desta crise política, é claramente a abstenção e o desinteresse pela actividade partidária nacional.

Desde a hipocrisia leve dos partidos da esquerda – que, em público, vão reclamando por “justiça social”, ao mesmo tempo que viabilizam os orçamentos que ignoram a mesma – até à perda de identidade que faz com que CDS e PSD, os porta-estandartes da responsabilidade fiscal e orçamental, se juntem à facção não-governativa da geringonça, sem apresentarem quaisquer cálculos de impacto orçamental, e passando ainda pelo dramatismo estratégico da ameaça de demissão do Governo – tudo isto me leva a concluir que as tomadas de posição dos partidos em Portugal resultam meramente de um pensamento populista e pseudo-estratégico (mas que nem na estratégia acertam) de tentativa de agradar ao eleitorado, sem que haja, na realidade, qualquer projecto sólido ou rumo definido.

E se, no lado do Bloco e PCP, esta incapacidade de levar por diante as suas intenções poderá resultar de uma falta de poder negocial, analisando os discursos dos restantes partidos é fácil constatar que a mudança desde há quatro ou cinco anos (e, no caso do PS, até mesmo entre o Governo central e os ramos do partido nas regiões autónomas) é gritante.

Mas, como a abstenção não ganha eleições nem pode governar, os resultados práticos deste cenário de quase-apocalipse governativo parecem-me previsíveis: o eleitorado moderado do centro virar-se-á maioritariamente para a disciplina orçamental do PS (ou melhor, de Centeno), vendo nos avanços e recuos da direita um sinal claro da falta de orientação que se sente em ambos os partidos.

Na sua comunicação a partir do Parlamento, na passada sexta-feira, Cristas poder-se-ia ter focado maioritariamente na proposta do CDS, chumbada pelo PS, que incluía salvaguardas financeiras relativamente à performance macroeconómica do país; em vez disso, o discurso esteve mais virado para a defesa dos direitos laborais que o CDS promove, e da luta que sempre coloca ao Governo. No caso do PSD, toda a acção foi ainda mais surreal, dada a demora em emitir uma tomada de posição pública (num evidente sinal de tentativa de aferir a opinião pública geral e comunicar em função desta).

Ambos os partidos tinham a hipótese de colocar em cheque o PS por não aprovar, por um lado, a reposição integral do tempo de serviço dos professores e, por outro, perante a inevitabilidade da aprovação da reposição integral, por não salvaguardarem critérios de estabilidade orçamental, mas preferiram mandar-se de cabeça com a esquerda e tornar o discurso numa questão de justiça social, esquecendo-se que, ao aprovarem tal medida para os professores, todo um rol de outras carreiras lhes quereriam seguir. Um perfeito tiro nos pés.

Assim sendo, Cristas e Rio conseguiram transformar um drama exagerado do primeiro-ministro numa hábil jogada política, em que um Governo que, com uma oposição minimamente capaz, já teria colapsado há muito – com escândalos de nepotismo evidente, investimento anémico, crises na Saúde e até com uma nova demissão de um elemento do Executivo, desta vez por fraude na obtenção de subsídios europeus – ganha força e conquista eleitorado moderado (coisa cada vez mais rara por estes dias). Rui Rio diz que o PS se fez ao penálti; eu diria que o PSD e o CDS é que andam a falhar golos de baliza aberta.

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.