À hora a que escrevo este texto ainda não estão contados todos os votos das eleições presidenciais dos EUA de 2020 e ainda não se sabe quem ganhou a eleição.

O que se sabe é que Joe Biden já tem mais “grandes eleitores” confirmados e que já comunicou a sua confiança na vitória, esperando pela contagem total dos votos para a confirmar. Ao mesmo tempo, Donald Trump vem dizer que ganhou (sem nenhum fundamento), exige a paragem da contagem dos votos e declara fraude eleitoral (prometendo batalhas em tribunal).

Quando, em 2016, Donald Trump ganhou as eleições presidenciais, aquilo que verdadeiramente mudou foi o discurso: passou a existir, numa democracia ocidental do século XXI, um presidente eleito com um discurso troglodita. O discurso com a complexidade e maturidade mental de uma criança de oito anos, como voz do presidente do país mais armado do mundo.

Não por acaso, muitos nos países de línguas latinas fizeram o trocadilho entre Trump e trampa, que entre engano e excrementos, significa algo ruim.

A verdade é que Trump é o rei dos trapaceiros, dos mentirosos (continuamente desmentido pela verificação de factos). Um herdeiro milionário, do poder financeiro e mediático, que vem clamar pela drenagem do pântano de Washington, do pântano da política.

Alguém que se anunciou como o salvador da pátria estadunidense, que ia pôr os mexicanos a pagarem a construção de um muro na fronteira e que ia reindustrializar o país, protegendo-o da globalização. Ora, nada disso sucedeu. Ao contrário, passados quatro anos, os EUA tornaram-se menos influentes no mundo, menos respeitados, mais violentos e divididos internamente, enfim, menos “great”.

Com a pandemia, Trump teve o discurso delirante de suporte a medicamentos ineficazes e de oposição a medidas eficazes (como o uso de máscara), opondo-se à verdade científica e a todos os que a divulgam.

A verdade é que os EUA são uma república federal e o presidente não manda assim tanto. Mais, o presidente tem influência legislativa, mas não manda nas empresas. Aliás, no dia em que os EUA abandonam o acordo de Paris sobre a protecção do clima mundial, muitas empresas dos EUA puderam optar por respeitar esse acordo, tornando fraca a posição do presidente.

Assim, aquilo que mais define Trump, e aquilo que mais impacto acaba por ter no mundo, é o seu discurso infantil e descontrolado, com a mentira descarada e uma desumanidade pornográfica. Muitos psiquiatras já diagnosticaram patologias psíquicas a Trump, desde a megalomania, à egomania, até ao narcisismo ou a mitomania.

Mas, diagnósticos à parte, o seu discurso continuou igual e, se for reeleito, perdurará.

É um discurso típico dos ditadores, desrespeitador dos seres humanos que pensam diferente dele, potenciador de violência e de negação do conhecimento científico. Só um ditador exige que se parem de contar os votos do povo! Só um ditador apela às suas franjas para agirem violentamente contra a oposição. Só um ditador normaliza o discurso do ódio e do insulto básico ao outro.

Essa normalização do insulto e do amesquinhamento no discurso de um líder nacional (com impacto mundial) é um catalisador para a violência de facto. É quando chamamos baratas aos outros que se abre a porta para esmagarmos os outros como baratas (ou as metermos no forno, como fez Hitler).

O mundo precisa que o discurso da mentira e do insulto saia do poder. Era essa a trampa que precisávamos de drenar. Mas tal só acontecerá se Trump se for embora.

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.