Estalou o “verniz político institucional”, na medida em que envolveu o Presidente da República e o primeiro-ministro.
Nada que não fosse previsível, dada a avidez de protagonismo assumida por estes dois brilhantes mestres da táctica que, ao longo dos últimos anos, nos foram dando lições de “convivência harmoniosa, porventura hipócrita”, mas que sempre terão olhado para os seus próprios “testamentos” na política interna, quando o final das suas carreiras gradualmente se vai aproximando… Um dia teria de ser, designadamente, num contexto de maioria absoluta na governação.
Duas coisas tenho como certas. A insuficiente performance do Governo, não só sob o ponto de vista estratégico e da consequente ausência de reformas, mas sobretudo em termos de falta de consistente coordenação política. E, neste domínio, é óbvio que houve trapalhadas a mais, opacidade talvez escusada, alguma arrogância própria de uma maioria absoluta.
Mas também não é menos certo que tivemos, vezes demais, um Presidente da República (PR) interveniente – com algum pendor populista – através de recados e insinuações públicas, até que chegou ao ponto de, no(s) caso(s) ligado(s) ao ministro João Galamba, passar todos os dias para a praça pública (direta ou indiretamente) mensagens que iam no sentido da possível – ainda que por si aparentemente não desejada – dissolução do Parlamento. E, sobretudo, da reiterada afirmação que este ministro não tinha condições políticas para o ser.
António Costa lá entendeu que já era demais ouvir o PR publicamente insinuar a demissão de Galamba e levou a peito as dores dos poderes próprios de um chefe de Governo, e daí enfrenta ou, melhor, afronta a atuação do PR nesta matéria. Tudo isto também de uma forma intencionalmente “pública”. E, assim, temos o caldo entornado!
Sem querer abordar possíveis cenários de confronto reforçado ou, quem sabe, de gradual reaproximação (improvável) – cada um com as inevitáveis consequências políticas – creio ser de bom senso que, apesar de tudo, o Governo passe a gerir os destinos do país com mais solidez e visão e que o PR reafirme a sua vigilância “construtiva” sobre o executivo.
Isto, sob pena de ocorrer a tão falada dissolução do Parlamento ou mesmo demissão do Governo, tanto mais inevitável quanto maior for o desgaste já efetivo da governação socialista. Estas opções têm a seu favor curiosos interesses contraditórios e conjunturais. E não vale muito a pena perder demasiado tempo com as sondagens feitas a quente de uma forma oportunista, ainda que compreensível.
Mas interessa aqui relevar, em jeito de questão de fundo, qual a influência que este arrufo ou confronto institucional terá sobre o andamento da economia portuguesa em geral, mais concretamente sobre as suas ligações no seio da União Europeia (incluindo aqui a execução dos importantes fundos comunitários), sobre o comportamento dos agentes económicos, sejam eles consumidores, empresários, investidores, considerados actores-chave do funcionamento de uma economia, já que susceptíveis de condicionar o ritmo do crescimento do PIB, a criação do emprego, o reforço dos níveis de produtividade, de exportações e de inovação, etc..
Será, contudo, sempre necessário separar – o que não é fácil – os possíveis efeitos, mais ou menos pontuais, de uma conjuntura externa incerta que o país não controla. E se chegarmos à conclusão de que este confronto pouco influenciou o funcionamento da economia, então, será caso para reafirmar a badalada expressão “é a economia, estúpido”.
Caso contrário, situação em que não me revejo sobremaneira, torna-se mais premente repensar muita coisa, desde logo as características do regime semi-presidencialista, no sentido de prevenir, num futuro incerto, quaisquer eventuais consequências de um excessivo tacticismo/ego dos protagonistas institucionais que estiverem em funções.
Uma coisa parece certa. O Presidente Marcelo Rebelo de Sousa pode – se quiser – transformar-se no verdadeiro líder da oposição, condicionando, assim, o natural crescimento desta no parlamento ou fora dele. Será útil a médio prazo para a alternativa governativa?
Por último, é de relembrar que, manifestamente, o Presidente Marcelo “gosta de ser amado por muitos”. Pelo que importa perguntar como encarará ele o quase certo distanciamento do eleitorado do PS, que lhe garantiu uma maioria eleitoral relevante. Será que sem Costa o PS acabará por lhe reconhecer os méritos? A meu ver, e é apenas uma futurologia que não significa desejo, um eventual novo PS vai ainda cavar esta distância…
O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.