Passado o frenesim das autárquicas, o país político vira-se agora para a economia real e começa a discutir o Orçamento do Estado (OE), cuja proposta será entregue no dia 11.

Sem nenhum tipo de demagogia sabemos que temos restrições ao que se pode gastar. Em primeiro lugar, temos restrições porque fazemos parte da União Europeia e temos que obedecer às regras. Dir-me-ão que as regras estão suspensas. É verdade, mas irão voltar em 2023. Não sabemos bem se as mesmas, mas vão voltar e acredito que com um foco muito particular na dívida pública.

A previsão é que Portugal termine 2021 com uma dívida de 128% do PIB, mais do dobro dos 60% que (estranhamente) ainda são “a regra”. Isto significa que não podemos relaxar de mais e que, mesmo não insistindo nos 3% de deficit, não podemos ir muito além deste valor.

A segunda restrição prende-se com a fragilidade da nossa economia. A excessiva exposição a setores não transacionáveis, o tecido de pequenas e médias empresas, a descapitalização de uma parte substancial destas empresas, a falta de qualificações, faz com que não tenhamos a robustez (ou resiliência como agora se diz…) para fazer face a uma nova crise financeira, por exemplo, ou a um aumento abrupto dos juros.

Por isso, demagogia à parte, temos de ter bom senso. Isto não significa que não possamos usar alguma folga que um crescimento mais acelerado nos possa dar. Não significa que não se devam manter políticas expansionistas e de suporte às pessoas e à economia.

Até porque, o crescimento do PIB (que pode ficar em 4,5%) tem duas grandes vantagens: faz aumentar automaticamente a receita fiscal e, uma vez que a dívida pública deve ser analisada em % do PIB, aumenta o denominador da fração e, com tudo o resto constante, diminui o valor dessa percentagem.

Ou seja, neste primeiro OE do quinquénio do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR), deve-se ser criterioso nas escolhas e usar o facto de termos precisamente o PRR para ser inteligente na definição da despesa do OE. Não devemos usar a desculpa do PRR para desenhar um OE contracionista, mas sim usar a sua existência para dirigir a despesa do OE para onde ela faz realmente falta.

O investimento público não pode diminuir, pelo contrário, e a sua execução tem que ser garantida; a educação tem que continuar a ter um foco particularmente relevante para se tentar debelar algumas das fragilidades que ficaram expostas nas escolas públicas e reforçar o papel das mesmas; o serviço nacional de saúde que se mostrou de primeira qualidade e, agora sim, resiliente, precisa de infraestruturas, equipamentos e profissionais valorizados; as empresas precisam de incentivos à capitalização e ao aumento de escala e as famílias (que têm perdido rendimento disponível neste último ano) têm que ser apoiadas.

A igualdade e o reforço da classe média devem ser o eixo transversal à definição de todas as políticas.

Ou seja, com bom senso, dentro das regras, olhando para a fragilidade da nossa economia, o OE para 2022 tem que ser ainda um OE de suporte e onde se faz o phasing out de uma série de medidas. Devem-se repor rendimentos sem aumentar de forma substancial a despesa e sem desequilibrar as contas públicas. Parece magia, mas este executivo assumiu funções em 2015 exatamente com este desígnio, e não fosse a Covid-19 tudo indicava que o estava a conseguir.