Uma pergunta recorrente nas emissões especiais e comentários aos incêndios do fim-de-semana passado era se havia o Governo aprendido alguma coisa com as tragédias de 2017, que vitimaram, em dois dias e ocasiões separadas, mais de 100 pessoas. E, embora não ache que se possa dizer que nada foi aprendido, a lição mais forte que o executivo parece ter aprendido foi que o custo político de mortes por incêndios deve ser absolutamente evitado – o que, na prática, até será uma melhoria, porque as mortes devem, de facto, ser evitadas, mas a aprendizagem não se pode ficar por aí.

Portugal é, quase ano após ano, o país europeu com maior área ardida na Europa (desde 2008 só por uma vez não figurámos no top-3, sendo que conseguimos o primeiro lugar em cinco destes anos). E isto refere-se a áreas absolutas, ou seja, num país de pequena/média dimensão como o nosso, arde uma área superior à verificada, por exemplo, em Espanha ou na Roménia, nações com uma superfície muito superior à nossa. Não é um ranking que nos deva encher de orgulho.

Uma das soluções que a opinião pública parece sugerir invariavelmente é a de maiores penas de prisão para incendiários – algo que chegou a ser analisado, mas que não teve um seguimento efectivo, que resultasse numa mudança de legislação. Até poderia concordar, mas tal não se afigura como uma verdadeira solução por dois motivos principais: primeiro, a maioria dos fogos surge por negligência, não por ateamentos deliberados; segundo, o foco do combate aos incêndios deveria estar, como tantas vezes é explicado, na prevenção. E é nesta segunda parte que há muito trabalho por fazer.

Ainda que um novo regime florestal, com o muito discutido cadastro incluído, seja um passo importante na organização do espaço da floresta em Portugal, esta medida continua a ser, em certa medida, uma forma de fiscalização do Estado perante a propriedade de terceiros que, idealmente, tomariam a responsabilidade de limpar e manter seguro aquilo que lhes pertence. Ora, decorre que, maioritariamente pela desertificação do nosso interior e a fragmentação das propriedades em Portugal (o associativismo não parece despertar muito interesse dos portugueses), as despesas de manutenção de um terreno florestal representam unicamente uma despesa para o proprietário (porque o proprietário, muito frequentemente, não retira qualquer proveito do terreno).

Ou seja, se concordo com a possibilidade do Estado tomar a gestão das terras sem dono, por motivos de segurança pública, também tenho de salientar que será igualmente importante criar incentivos para o emparcelamento de micro-terrenos, desmistificando a ideia de “expropriação” que ainda assusta tanta gente e criando a noção de que um aglomerado de terrenos de 100 hectares será muito mais rentável e de fácil gestão do que cem terrenos de 1ha, mantendo os proprietários uma voz activa. Neste sentido, pouco ou nada vejo discutido em termos de legislação.

Com o aproximar das legislativas de Outubro, voltamos a ouvir os chavões da descentralização, de repovoar o interior e da desertificação de grande parte do território, conceitos que fazem parte da retórica política em Portugal desde que me lembro de ouvir os nosso governantes falar. Este ano, poderemos juntar-lhe o problema do ambiente e das alterações climáticas, para o qual os partidos parecem ter acordado com os recentes resultados do PAN.

Mas, mais do que criar nova legislação, em Portugal carece a capacidade de a aplicar. Falta-nos a seriedade para nos certificarmos que a rede de emergência não vai falhar em caso de emergência, ou que as golas anti-fumo são de tecidos não muito inflamáveis. Mas, já dizia o outro, “o povo é sereno; é apenas fumaça”.

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.