(Também se morre de fome e de vergonha…)
“Só numa situação concreta sabemos o que realmente somos.” – Vergílio Ferreira, Conta Corrente V
A maior parte de nós, tem vivido, de certa forma, acolchoada, entre uma nuvem de medo e a esperança de que tudo regresse à normalidade. Aos poucos, vai-nos sendo dito que os próximos meses não serão do retomar em pleno e que teremos que nos adaptar a circunstâncias que nos vão sendo reveladas aos gradualmente.
Entretanto, os primeiros ecos do que este confinamento tem trazido começam a ser tornados públicos. O que parece igualmente certo é que podemos saber o número diário de infectados, mas não fazemos a menor ideia das reais dificuldades com que profissionais que estão nestas condições se debatem.
Nesta situação concreta, estamos a aprender o que vale a (in)segurança no emprego. Entre o que já se conheceu, chocou o caso de uma guia de arte urbana, contratada a recibos verdes pela Câmara de Loures, que fotografou o seu frigorífico vazio, apenas com uma embalagem de manteiga e outra de mostarda. Perante a estupefacção geral, a citada profissional foi encaminhada e contactada, não pela sua empregadora, mas pelo Banco Alimentar.
Já quanto a isto, estranhamente para mim, ninguém se indignou quanto ao facto de uma guia, contratada por uma entidade pública (sendo que o Governo anunciou um aumento para a Função Pública), necessitar deste tipo de ajuda. O choque incidiu na consequência mas excluiu, parece-me, a causa. E, uma vez mais, na minha opinião, os problemas resolvem-se nas causas e, menos, nas consequências.
Do mesmo modo, se houve vozes que, há muito, se levantaram contra a substituição de contratos de trabalho por este tipo de vínculos precários, para mais assentes numa actividade volátil, rapidamente o Governo tratou de os converter em propaganda de diminuição de taxas de desemprego. A diferença, porém, torna-se agora óbvia, quer perante os montantes previstos para os respectivos apoios, quer pela facilidade com que essas pessoas ficam numa situação de total desprotecção.
Perante este quadro e o grito concreto da guia, o que fica a nu é que a famosa geração à rasca não apenas não deixou de o estar, como engrossou fileiras. E, para tanto, concorre também o facto de se terem facilitado tanto os despedimentos que, nos dias que correm, o que praticamente muda é a resposta da Segurança Social.
Na verdade, diga-se o que se disser, dificilmente a vida voltará a ser a mesma nos tempos mais próximos. A questão não é, assim, apenas como sobreviveremos à Covid-19. É o que conseguiremos fazer dos ensinamentos que colhemos nesta fase. De novo, olhos postos no futuro mas sem esquecer este presente.
A autora escreve de acordo com a antiga ortografia.