No mundo em que vivemos atualmente já se sabia que eramos vulneráveis a guerras e a crises financeiras, a terroristas e a populistas, a líderes políticos sem visão e às alterações climáticas. O domínio da tecnologia, da ciência e da medicina dava-nos um certo conforto e segurança de que um novo vírus do outro lado do mundo dificilmente nos poderia atingir com esta rapidez e proporção.

Provavelmente dever-nos-íamos ter lembrado do efeito borboleta no contexto da teoria do caos – “o bater das asas de uma borboleta na China causa uma tempestade no resto do mundo” – de proporções épicas e efeitos ainda difíceis de prever.

E depois da tempestade passar, o que irá mudar nas nossas vidas como seres humanos? Que impactos terá esta crise na forma como nos relacionamos em comunidade? Vamos passar a ter receio de nos cumprimentarmos, de ter reuniões presenciais com várias pessoas que não conhecemos, de frequentar discotecas ou restaurantes cheios de gente, de viajar de avião em trabalho ou de férias? Provavelmente, para muitos de nós, a resposta é sim.

Em paralelo a estas mudanças comportamentais, são já visíveis exemplos únicos de solidariedade e patriotismo, que nos vão fazer perceber que ajudar a manter os nossos cidadãos com saúde é mais importante do que esperar para tratar a doença, que os heróis a quem devemos agradecer não são os que nos emprestam dinheiro, mas aqueles que nos prestam cuidados de saúde e nos permitem ultrapassar crises como esta.

Possivelmente, o patriotismo e o orgulho nacional passarão a estar associados ao exército dos profissionais de saúde, que nos defenderam nesta guerra biológica. Patriotismo será, seguramente, garantirmos um SNS bem equipado, com pessoas e materiais, e reconhecer definitivamente o papel dos privados como uma retaguarda fundamental em futuras batalhas contra um inimigo comum.

Será que iremos assistir a uma renovada confiança nas instituições e autoridades públicas? Esperemos que o sucesso da gestão desta crise seja também uma alavanca para a reinvenção do Estado, do seu papel e acima de tudo da sua eficiência. De nada nos servem excedentes orçamentais se o Estado não conseguir assegurar as suas responsabilidades mais básicas.

No entanto, é a tecnologia que emerge com mais visibilidade neste contexto nunca antes vivido.

A tecnologia, que nos permite realizar teletrabalho, manter-nos conectados quando em isolamento profilático, ver e falar com as nossas famílias à distância, ter uma consulta médica por telemedicina, fazer pagamentos online embebidos na experiência de consumo e contactless, recolher, processar e analisar dados com propósito, tornando-os em valor para estarmos mais e melhor informados, tomar decisões e prever as tendências. Tecnologia que nos ajuda a imprimir em 3D equipamentos de proteção individual.

Muito possivelmente, quando voltarmos a votar no nosso país já o iremos fazer de forma eletrónica ou digital. Na verdade, os governos já hoje funcionam remotamente, com reuniões por videoconferência e voto por email ou em plataformas.

Outro dos impactos colaterais desta crise é a necessidade de aliviar a excessiva regulação de muitos setores, nomeadamente do setor financeiro, como temos assistidos quase diariamente, com o alívio de restrições à concessão de crédito ou o alargamento dos limites para os pagamentos contactless e online.

Depois da devastação virá a reconstrução, que levará mais ou menos tempo dependendo da forma como governos, empresas e consumidores assumirem as suas responsabilidades e papeis na sociedade.

Os governos nos apoios e incentivos à economia, com injeção de liquidez no mercado para as empresas e famílias.

As empresas salvaguardando a sua posição como motor da economia, garantindo emprego, apostando na inovação e na eficiência como fatores competitivos, posicionando-se tanto como fornecedores como clientes.

Os consumidores, reconquistando a confiança na economia, independentemente da alteração dos hábitos de consumo que vão emergir deste longo período de confinamento e isolamento social, seja num contexto de “revenge shopping” ou de racionalidade, própria de quem já viveu duas crises num curto espaço de tempo.

No fim da emergência, e absolutamente conscientes da nossa vulnerabilidade perante a vida, suspeito que a queiramos viver de forma mais intensa e imediata, mas também mais humana e solidária.