Depois de um casamento que durou 47 anos, o divórcio concretizou-se, finalmente, no passado dia 31 de janeiro. Embora se tivesse mantido quase meio século, o matrimónio entre o Reino Unido e a União Europeia foi tudo menos pacífico. Desde cedo os britânicos demostraram as suas intenções, mostrando-se pouco recetivos aos convites que lhe foram dirigidos para subir ao altar europeu.

Assim, Churchill, um dos primeiros a manifestar o interesse pela criação de uns Estados Unidos da Europa, sempre mostrou algum distanciamento do Reino Unido em relação a este projeto, ao afirmar, em 1944, que se “a Inglaterra tiver que escolher entre a Europa e o mar, deve sempre escolher o mar” e, em 1953, ao declarar: “Qual é a nossa posição? Nós não somos membros da Comunidade de Defesa Europeia, nem pretendemos fundir-nos num sistema Europeu Federal. Sentimos que temos uma relação especial com ambos. Isto pode ser expresso em preposições – pela preposição “com”, mas não “de”. Nós estamos “com” eles, mas não somos “deles”. Temos a nossa própria Commonwealth e Império”.

Desta forma, o Reino Unido decidiu declinar o convite dos Seis founding fathers, enfatizando os benefícios de ser independente, a especial relação que mantinha com os Estados Unidos da América e o facto de liderar a Commonwealth. A boda, celebrada, com pompa e circunstância, em Paris, em 1951, contou, pois, apenas, com seis nubentes – França, Alemanha, Itália, Bélgica, Holanda e Luxemburgo.

Poucos anos mais tarde, em 1957, procurando aproveitar os encantos da cidade de Rómulo e Remo, numa espécie de renovação dos votos matrimoniais, os Seis voltaram a enviar um convite ao Reino Unido para se lhes juntar neste casamento poligâmico que tão bons resultados ia produzindo. Uma vez mais, os britânicos optaram por recusar a mão que lhes havia sido estendida.

Verificando que o casamento dos Seis primeiros corria de feição, o Reino Unido decidiu pedir que o deixassem juntar-se ao matrimónio, que havia inicialmente recusado. Fê-lo em 1961 e em 1967. Magoados pelas ‘negas’ que haviam recebido e desconfiados das verdadeiras intenções dos britânicos, os Seis deixaram o Reino Unido à porta, recusando-se acolhê-lo num matrimónio que parecia ter sido abençoado pelos Deuses.

Só em 1972, depois de muito penar, os Seis decidiram abrir-lhe as portas dos seus corações, aceitando o seu pedido. Não obstante, o Reino Unido nunca se empenhou, verdadeiramente, no casamento, vincando sempre a sua independência, recusando vários presentes, decidindo por diversas vezes manter-se à margem de projetos comuns, fazendo questão de demonstrar a sua renitência em aprofundar o amor que unia os restantes membros desta Comunidade tão atípica.

Na década de 1990, rejeitou embarcar na criação de uma moeda única, para além de se furtar a participar noutros empreendimentos, apelando à criação de uma Europa à la carte do seu agrado desde o início. Chamado a atenção pelos seus parceiros de que num casamento os nubentes prometem ser fiéis, amar-se e respeitar-se, na alegria e na tristeza, na saúde e na doença, na riqueza e na pobreza, por todos os dias das suas vidas até que a morte os separe, decidiu pedir à população que se pronunciasse pela manutenção do matrimónio ou pelo divórcio.

No dia 23 de junho de 2016, depois de várias exigências, a que os seus parceiros foram cedendo, de muitos arrufos, que estes preferiram ignorar, informou os outros membros que desejava pôr termo ao casamento, uma vez que, apesar da idade, queria voltar a ser independente, seguir o seu próprio caminho, de nada valendo os pedidos que lhe fizeram vários familiares.

Afirmou que adoraria preservar a amizade dos ex-cônjuges, mas que, na verdade, nunca quisera, na verdadeira aceção da palavra, contrair matrimónio e que só o fizera por considerar que, de outra maneira, se poderia ter perdido numa indesejada solidão.

Depois de várias conversas e reuniões, ao longo de mais de três anos, após terem deixado pelo caminho David Cameron e Theresa May, conseguiu-se, finalmente, alcançar um acordo sobre os termos da dissolução do matrimónio. Boris Johnson, atual homem do leme, cortou o cordão que unia britânicos e europeus continentais há quase 50 anos, anunciando uma nova era para o Reino Unido, marcada pela prosperidade e por uma participação mais ativa e decisiva na globalização.

Resta saber se o futuro para a Europa e para o Reino Unido será mais soalheiro ou mais nebuloso, sendo certo que dificilmente Boris Johnson conseguirá fazer do Reino Unido a ilha idealizada por Thomas Morus na sua Utopia. Ficaremos certamente todos mais pobres depois do adeus, mas de nada vale manter um matrimónio em que os cônjuges não estão igualmente empenhados. O momento não pode deixar de nos fazer lembrar o belo poema de José Niza celebrizado pela voz de Paulo de Carvalho:

“E depois do amor

E depois de nós

O dizer adeus

O ficarmos sós.”