Não é só no Brasil que a política vive dias de amargura e lamaçal. Depois da eleição de Trump, que fez campanha com declarações execráveis, estapafúrdias e incoerentes, do referendo que ditou o Brexit, assente maioritariamente em questões de migração, raça e para o qual muitos dos argumentos a favor do Leave eram facilmente desmascaráveis, e dos sustos nacionalistas de Le Pen, Wilders, do AfD na Alemanha ou do SD sueco, é o Brasil que agora se encontra às portas do populismo, ódio e medo.

Bolsonaro, com os seus ideais homofóbicos, racistas e machistas, superou a sua falta de medidas concretas para o país e uma ausência de estratégia económica com a exploração do ressentimento anti-PT e do caos que a Operação Lava-Jato e, em geral, o paradigma de corrupção, criou na classe política brasileira – e, inclusivamente, quase se tornava presidente já na primeira ronda, ao contrário da maioria das previsões.

É gritante e assustadora a falta de rumo, ao nível legislativo e económico, que apresentou a candidatura de Bolsonaro. Examinando as propostas, constata-se que pretende unificar tributações federais – mas não especifica quais; fala em privatizar empresas estatais para abater dívidas e diminuir gastos – mas não indica quais; fiscalmente, quer défice zero já em 2019 e um superavit em 2020 – e, adivinharam, não apresenta uma estratégia credível para tal. Aliás, quando questionado sobre economia, o candidato mostrava-se alegremente ignorante, dizendo que de economia falaria a sua “futura equipe”.

Sendo compreensível a frustração de grande parte da população com a má gestão do PT e o seu legado de corrupção, é-me difícil compreender como pode a escolha recair sobre um candidato de uma inconsistência atroz, cuja incoerência é tão facilmente notável, e que nem se pode escudar, como Trump, numa carreira de sucesso no privado – é que não só Jair é político de profissão, como durante os seus 27 anos de deputado viu apenas dois dos 171 projectos de lei que apresentou serem aprovados.

Esta campanha provou a irrelevância, na política actual, de factos, ideias quantificáveis e estratégias. Num país com graves problemas económicos e sociais como o desemprego, a insegurança ou a falta de acesso a serviços básicos como Saúde ou Educação, as discussões centram-se em medos, como os fantasmas da ditadura e do bolivarianismo, polarizando o discurso a um ponto em que mulheres defendem um candidato que já afirmou que as mulheres devem receber menos do que os homens, ou que não violaria uma mulher porque não a considerava atraente o suficiente, e em que descendentes de africanos votam no homem que alega que estes “não fazem nada” e desperdiçam “mais de 1 bilião” de reais por ano. Felizmente, acho que a comunidade LGBTQ ainda não desenvolveu este Síndrome de Estocolmo por quem os vê como o produto de uma infância com poucas palmadas dos pais.

Parece-me difícil, senão impossível, Bolsonaro não vir a ser presidente do Brasil – 46% é um resultado muito forte numa primeira volta, e a percentagem de fidelidade ao candidato será certamente superior à de eleitores que, não tendo votado Haddad, agora o farão no segundo turno. Pelo meio perderam-se candidatos moderados, como João Amôedo, Ciro Gomes ou Marina Silva, que, aquando da última eleição de Dilma, teriam sido aliados úteis numa aproximação ao centro, ao mesmo tempo que partidos históricos como o PSDB ou o MDB sofrem derrotas avassaladoras.

E, no meio disto tudo, continuam as personagens cómico-políticas da cena brasileira, a quem se junta, nesta eleição, Alexandre Frota – que, na senda da coerência cristã e homofóbica de Bolsonaro, foi até apontado por este como um potencial ministro da Cultura (ao menos dessa vez Jair “estava zoando”). E quem por lá também continua é o famoso Palhaço Tiririca, mas até esse já anda a faltar à verdade – é que, em 2013, foi eleito com o slogan “Tiririca, pior do que está não fica”. Ups…

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.