Quando somos crianças, o Natal é algo de mágico. Os doces, a espera pelos presentes, a família reunida. Mas o tempo move-se e aprendemos que esta quadra é uma nuvem de hipocrisia misturada com uma sociedade narcotizada pelo consumo, que renega e evita os problemas, este ano ainda mais reforçada com outra substância viciante que é a realização de um Mundial de futebol em Dezembro.

Os problemas estão e vêm aí, não podem ser varridos para debaixo do tapete. As taxas de juro que o Banco Central Europeu sobe indicam que a partir de janeiro o crédito à habitação vai disparar. Ora, quando todos sabemos que o endividamento das famílias tem por base o desejo de comprar casa, fica negro o cenário para os mais pobres e remediados que já sentem na pele e na conta do supermercado a inflação galopante.

Depois, a União Europeia já tem neste momento um país em recessão, a Estónia, sendo que Grécia, Letónia e Eslovénia para lá caminham. Logo, será muito difícil a Portugal, a breve trecho, escapar a um pesadelo inevitável. Sem esquecer que a Alemanha tem milhares de milhões para injectar na economia para evitar esse cenário. E se a locomotiva da Europa espirra, o continente constipa-se e não há qualquer comprimido que possa atenuar a crise anunciada.

A mesma União Europeia que decreta tolerância zero para as fraudes e pede esclarecimentos sobre os apoios concedidos à empresa do marido da ministra Ana Abrunhosa (o que é gravíssimo), sofre um atentado reputacional no Parlamento Europeu, onde a grega Eva Kaili é apanhada com milhão e meio em notas em casa, fruto de alegado lobby do Qatar, que a levou a afirmar que o país árabe era quase um paraíso nos direitos laborais quando milhares de migrantes morreram como escravos na construção de dez estádios que custaram mais de 200 mil milhões de euros.

Pela boca morre o peixe, diz o povo, e é verdade.

E estão lembrados daqueles chico-espertos que quando surgiram as primeiras doses de vacinas, usando o “poderzinho” que tinham em diversas instituições, decidiram passar à frente dos interesses da comunidade e decidiram ser os primeiros a vacinar-se? Pois foram criminosos, houve 200 acusações, mas apenas um, repito, um, foi condenado.

Em Portugal, habitualmente a culpa morre solteira. Aliás, reparem como há meses que não se ouvem notícias, ou se fala em avanços ou mesmo sinais de fumo acerca dos processos dos poderosos que todos conhecem. Salgado, Vieira, Mexia, entre tantos outros que dormem todas as noites em paz.

Parece que vivemos numa bolha onde nada se passa, nada evolui, nada tem consequências. É o primado do espírito natalício para narcotizar a comunidade, que só quando sentir no bolso, inapelavelmente, a pancada da grave crise que vamos atravessar, se lembrará que o País e o Mundo não são adornos bonitos e reluzentes da árvore de Natal. Aí, abrirão os olhos.

PS: E por falar em Natal, que seja feliz e com saúde para toda a equipa do Jornal Económico e para todos os leitores.

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.