No dia 9 deste mês, numa casa a pouco mais de 100 km de Nova Iorque, foi encontrada uma dúzia de tubarões. Os animais viviam num tanque, na cave da dita casa. Os tubarões foram entregues ao Long Island Aquarium, que os está a ensinar a virem comer à superfície. Aliás, esta não é primeira vez que o aquário recebe hóspedes inesperados: há 15 anos atrás foi-lhe confiado um bando de pinguins, apreendidos no Aeroporto JFK quando tentavam entrar clandestinamente nos Estados Unidos. Só falta dizerem que vinham de Madagáscar, a sorrir e acenar.
Claro que não faltou uma torrente de reações, que correu basicamente tudo, desde como é que se pode ter animais destes em casa, perigosos para a vizinhança, até o como é se pode tratar bichos assim, passando pelo atentado contra a espécie. Mas devo confessar-vos que não percebo a indignação: estas ou outras parecidas são o pão nosso de cada dia, portanto qual é a admiração?
Em 2013, Melanie e Richard Typaldos viviam no Texas com uma capivara (o maior roedor existente, com uma aparência de porquinho da índia) de mais de 50 quilos; imaginem o que seria se a casa deles fosse de madeira e irritassem o bicho. O cientista alemão Werner Freund vive com uma alcateia de seis lobos, e consta que almoçam ao som da música dos Duran Duran. Anna Studer, de Indiana, EUA, divide o sofá da sua casa com uma leoa. O galês David Palmer construiu um bungalow no jardim das traseiras, no qual se senta no sofá a ver televisão com o seu carneiro Nick Boing, assim batizado por ter uma personalidade saltitante. A enfermeira australiana Vicki Lowing não é uma “cat lady”, é uma “croc lady”: nada menos que três vivem lá em casa, e gostam de dormir na cama dela, felizmente por cima da roupa; imagino o que deve ser lavar os dentes naquela casa.
Há gente que passa à etapa seguinte, quando se convence não que animais são gente, mas que as pessoas são animais. Tenho que dizer que já estive mais longe de não partilhar este sentimento. Fico furioso com a burra da secretária que me marca as reuniões todas trocadas (mas pode ser um secretário, que não que me aconteça o mesmo que à Porto Editora); com o porco do tipo no restaurante que entorna o copo em cima das minhas calças; e, para voltar ao tema de entrada, os tubarões mais perigosos que conheço estão em escritórios de advogados, na política ou em ambos. Aliás, acalento a secreta esperança de um dia poder soltar três dúzias de gatos no meio do plenário da Assembleia da República num dia de sessão, que aquilo está cheio de ratazanas. E ratazanas velhas.
Nota biográfica: Hemp Lastru (n. 1954, em Praga) é sobrinho neto de Franz Kafka. Democrata convicto, ativista e lutador político, é preso várias vezes pela polícia secreta checoslovaca, tendo sido sentenciado em 1985 ao corte de uma orelha sob a acusação de “escutar às portas”. Abandona a política em 1999, deixando Praga para residir em Espanha. Mudou-se para Portugal em 2005 porque “gostaria de viver num país onde os processos são como descrevia o meu tio-avô nos livros.”