Um dia, conta Tony Blair, antes da sua primeira reeleição como primeiro-ministro, Bill Clinton telefonou para lhe perguntar como estavam as coisas. “Muito bem”, respondeu o governante, no tom triunfante de quem já dava a vitória por certa. “Estamos concentrados em explicar às pessoas o que fizemos no primeiro mandato. E a enumerar todas as conquistas!” Mmm… terá respondido um Clinton desanimado. “Então as pessoas podem dizer-vos muito obrigado. E adeus.”

Clinton estava certo. Ensinou-lhe nesse dia que a mensagem política “é sempre sobre o futuro”. Promover conquistas do passado, por mais atrativo que pareça aos políticos, não serve para rigorosamente nada. Dos governantes, conclui o autor, as pessoas só querem saber o que vai ser da sua vida.

Nas mais de 300 páginas deste “On Leadership” (edição inglesa, Penguin, Random House), o tema do futuro aparece repetidamente, em contextos muitos diferentes, mas com o mesmo apelo: um bom líder tem de delinear um horizonte. Tem de apostar num projeto político concreto, onde as ideias e iniciativas, por mais diferentes que sejam, encaixem com lógica e arrumação.

E atenção que um projeto, relembra o mais pragmático dos socialistas europeus, não é uma Visão. Longe disso. Recorrendo à famosa citação de Helmut Schmidt, Blair subscreve a opinião provocadora de que “Quem tem visões deve ir ao médico”.

Um projeto é um plano. Uma linha narrativa construída cuidadosamente de modo a ser bem entendida por todo o governo e passada aos cidadãos. Ponto.

Parece uma banalidade, mas se olharmos para a forma como os governos ocidentais se têm limitado a gerir o status quo que as eleições lhes conferem – e o elixir que esse amorfismo tem dado à extrema-direita –, percebe-se que está longe de o ser.

“O desafio da democracia ocidental é a falta de uma narrativa clara. Queremos voltar a ter crescimento e um nível de vida superior, mas ninguém sabe como”. Touché.

É pela comunicação estratégica, termina o autor, e não pela comunicação tática do dia a dia nem pelos comunicados de imprensa, que esta mensagem tem de ser construída e divulgada. Parece óbvio? Não é.

Húbris, o excesso de confiança ou complexo de Deus, é a palavra escolhida por Blair para explicar como alguns líderes de hoje teimam em ignorar estes factos e os reduzem a clichés. Sendo que o preço da arrogância é inevitável e também tem nome grego: Némesis. A queda.

Pouca gente terá tanta autoridade para fazer toda esta análise como Tony Blair. Depois de uma década à frente de uma das mais poderosas nações do mundo, dedicou outra década a aconselhar mais de 40 chefes de governo pelo mundo fora. Tudo isto na esfera do seu Instituto – Tony Blair Institute for Global Change –, que a esquerda inteira desdenha.

Ele, claro, sabe isso. Em particular, que a esquerda nunca lhe perdoará dois pecados: a guerra às armas de destruição maciça, que o Iraque não tinha; e a criação do New Labour e de todos os rótulos que arrastaram os Trabalhistas para o centro ideológico.

O livro não ignora nenhum deles. No que diz respeito à política externa, Blair não só não mostra qualquer arrependimento, como até insiste, no tom mais professoral que usa em todo o livro, que os negócios estrangeiros “são para cabeças duras, não para corações moles”. E, para o Reino Unido, entende ele, a prioridade deverá ser sempre estar ao lado dos Estados Unidos. E sempre é sempre.

Já o campo das ideologias merece um capítulo inteiro, tão bom que devia ser recitado a todas as criancinhas que mostrem interesse pela política. O título diz tudo: A Praga das Ideologias. E o melhor Blair de sempre, aquele que deu corpo à Terceira Via e que continua obstinadamente contra as polarizações, aparece com todo o seu fulgor.

Primeiro para explicar a diferença entre esquerda e direita, antes e agora, com uma clareza cristalina; depois para fazer outra distinção muito interessante entre ideologias e ideais. Destruam-se as primeiras, é o resumo da sua posição. Os políticos precisam de algum idealismo, mas não de dogmas. Precisam de princípios universais, é evidente, mas compatíveis com visões diferentes da realidade.

Além destas mensagens maiores, a graça do livro está na forma direta como o antigo primeiro-ministro se dirige aos líderes políticos, que podiam ser líderes de empresas, com dezenas de conselhos práticos.

Sê um agente de mudança, não um participante. Concentra-te nas reformas, não na continuidade. Dá prioridade às políticas, não à política. Apoia-te na opinião de especialistas, nunca nos que estão ao teu lado.

E acima de tudo, o tema que atravessa o livro, aceita e aposta na tecnologia. Porque o diagnóstico não permite outra alternativa: nos dias de hoje, as pessoas querem melhores serviços do Estado e pagar menos impostos. A tecnologia, em especial a Inteligência Artificial, é a única maneira de um governo conseguir entregar as duas coisas ao mesmo tempo.

Qual Cardeal Mazarin do século XXI, esta postura desassombrada (alguns dirão presunçosa) faz deste livro um clássico instantâneo. E um clássico merece sempre tradução.