Em 2021, Portugal disporá de um pacote de fundos europeus destinados à recuperação económica e social, como resposta à crise pandémica que o país enfrenta. Esta resposta europeia à crise atual, a todos os níveis solidária, exige que o país esteja preparado para corresponder com eficiência e eficácia na utilização e implementação dos diversos pacotes financeiros de que irá beneficiar.

Portugal vai beneficiar de dois mecanismos de apoio financeiro até 2030:

(i) o Plano de Recuperação e Resiliência (PRR), o principal instrumento do Fundo de Recuperação, destinado a apoiar a recuperação económica resultante da pandemia e que se consubstancia em três linhas principais: (a) resiliência (emprego, apoios sociais, competitividade e coesão), (b) transição climática (eficiência energética e mobilidade sustentável), (c) transição digital (para escolas, administração pública e empresas);

(ii) o Quadro Financeiro Plurianual (QFP) 2021-2027, que é um sucedâneo dos anteriores Portugal 2020 e do QREN (Quadro de Referência Estratégico Nacional). Este é destinado a apoiar projetos em temas tão diversos como a segurança nacional e a defesa, os recursos naturais e o ambiente, a inovação e a digitalização, a gestão de fronteiras e as migrações, ou ainda as relações de vizinhança de Portugal.

No âmbito do PRR, o país irá receber 12,9 mil milhões de euros em subvenções, ao que acrescem 1,8 mil milhões de euros provenientes do REACT EU – iniciativa que se destina a promover o investimento e a antecipar o apoio financeiro para a recuperação pós-pandemia e ainda 445 milhões de euros provenientes do programa de Desenvolvimento Rural e do Fundo de Transição Justa.

Importa no entanto referir que estes instrumentos não têm ainda um valor totalmente definido tratando-se antes de estimativas com base em previsões, uma vez que este valor depende da quebra observada no PIB real em 2020 e na quebra acumulada no período de 2020-2021, sendo apenas fixado após dados do Eurostat a publicar em junho de 2022. Adicionalmente ao PRR estarão disponíveis os fundos ao abrigo do Quadro Financeiro Plurianual o que resultará numa verba que atingirá cerca de 50 mil milhões de euros, à qual Portugal poderá aceder no período compreendido entre 2021 e 2029.

O Governo publicou entretanto a Estratégia 2030 que estabelece as linhas orientadoras para a implementação do Quadro Financeiro Plurianual, a qual se consubstancia nas quatro seguintes agendas focadas no desenvolvimento económico, social e territorial:

– maior equilíbrio demográfico, maior inclusão e menos desigualdade;

– digitalização, inovação e qualificações para um melhor desenvolvimento;

– transição climática e sustentabilidade dos recursos;

– competitividade externa e coesão interna.

A Estratégia Portugal 2030 será também financiada através de outros instrumentos que não apenas as subvenções europeias. Para além dos fundos europeus, estarão ainda disponíveis os fundos nacionais provenientes do orçamento do Estado e outros fundos específicos como o Fundo Ambiental.

Além destes, estarão também disponíveis empréstimos de instituições financeiras nacionais ou internacionais, como o Banco Central Europeu, o qual tem disponível uma verba de 1,850 biliões de euros ao abrigo do designado Programa de Compras para a Emergência Pandémica (PEPP na sigla em inglês) sob a forma de compra de dívida soberana, o qual se estenderá até março de 2022. Um outro recurso que se encontra ao abrigo do Plano de Recuperação e Resiliência é o facto de Portugal ter disponíveis 15,7 mil milhões de euros que pode utilizar sob a forma de empréstimos.

Perceção e fiscalização

Um dos grandes temas que envolve a questão dos fundos europeus é o que resulta da perceção de que existe uma excessiva utilização ilegítima e fraudulenta em resultado de uma (suposta) deficiente fiscalização. Existe a perceção pelo comum dos cidadãos que a gestão e a utilização dos dinheiros europeus carece de uma maior transparência e fiscalização, verificando-se muitas das vezes um elevado número de fraudes na sua aplicação e no seu acesso pelas diversas entidades beneficiárias.

Naturalmente que esta avaliação será sempre mais robustecida se for comparada com os valores dos usos suspeitos ou tentativas de fraude ocorridas nos diferentes países europeus. Não está sequer em causa a necessidade de assegurar de forma transparente e segura que o dinheiro proveniente da Europa tem que estar protegido contra qualquer tentativa de fraude ou de uso indevido pois esta é uma matéria que, não só tem que estar garantida além dos próprios Estados, como tem igualmente que ser da responsabilidade dos mesmos.

Ainda assim, importa desfazer alguns mitos, não menosprezando os relatórios da Polícia Judiciária e do Organismo Europeu de Luta Antifraude (OLAF), pois é inequívoco afirmar que existe uma sólida hierarquia na fiscalização dos fundos europeus. Senão vejamos: entre entidades nacionais e internacionais existem pelo menos dez organismos a fiscalizar a aplicação dos fundos europeus!

Além dos já referidos OLAF e Polícia Judiciária, os “dinheiros de Bruxelas” passam pelo crivo da Comissão Europeia, Tribunal de Contas nacional e Europeu, Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP), Inspeção Geral de Finanças (IGF), Agência para o Desenvolvimento e Coesão (AD&C), além das autoridades de gestão dos próprios programas financeiros. Tudo isto para além da realização de missões da própria Comissão Europeia e do Tribunal de Contas Europeu ao desempenho de alguns programas, das ações de verificação da AD&C e das auditorias da IGF.

Importa ainda ter conhecimento que a Comissão Europeia tem definidas regras e regulamentos que estabelecem normas comuns aplicáveis a todos os Estados-membros relativamente ao uso dos fundos europeus impondo mecanismos destinados a garantir a correta aplicação do dinheiro. Estes mecanismos são também ajustados à legislação de cada Estado-membro.

Ao falarmos da utilização irregular ou fraudulenta dos fundos europeus, importa percebermos claramente ao que nos estamos a referir. Os critérios que determinam a regularidade dos processos podem ser mais abrangentes ou restritos ou podem derivar das circunstâncias e do momento em que ocorreram tais apoios. É pois importante conhecer esses critérios e avaliar cada caso já que podem existir diversas situações em que o tempo e o modo determinam a regularidade (ou a falta dela) dos apoios obtidos.

O facto de uma empresa deixar de cumprir os critérios de acesso que antes cumprira, a um determinado programa durante o decorrer do mesmo, implica uma irregularidade? A insolvência de uma empresa no decorrer do programa de financiamento, configura outra irregularidade? É possível observarem-se mudanças em alguns critérios de acesso a um apoio durante uma candidatura, até ao momento da sua decisão? Se sim, como é visto o enquadramento posterior desses critérios relativamente ao seu beneficiário?

As alterações que podem surgir no decurso de um projeto de investimento, por razões exógenas à empresa, para o qual essa empresa beneficiou de um apoio, representa uma irregularidade no cumprimento desses critérios? Quando o tempo de espera por uma decisão, muitas vezes de vários meses, ocorre favoravelmente num momento em que determinados pressupostos do projeto de investimento foram alterados (por razões macroeconómicas por exemplo), estaremos perante uma inconformidade? Seria muito útil para as empresas, empresários e cidadãos, conhecer as respostas a estas questões.

Execução e burocracia

Um outro tema que rodeia a questão dos fundos europeus é a sua taxa de execução havendo a ideia generalizada que Portugal tem historicamente uma taxa de execução baixa destes fundos, o que se deve na maioria dos casos a razões de natureza burocrática e administrativa. Vejamos então e consideremos o pacote financeiro do Portugal 2020 que foi de 25,8 mil milhões de euros. Se somarmos a isto os pacotes derivados de todos os fundos de que beneficia (Iniciativa Jovem, FEDER, Pescas, Fundo Social Europeu, Fundo de Coesão e Agricultura) este valor atinge os 33,2 mil milhões de euros.

Importa em primeiro lugar saber que os valores utilizados pelos Estados são verificados e validados a cada dia pela Comissão Europeia o que significa que diariamente se verificam alterações nesta contabilização e nos cálculos dos rankings. Posto isto, dados a outubro de 2020 davam-nos conta que Portugal tinha a nona taxa de execução mais elevada entre 29 países quando em agosto se encontrava no sexto lugar. De entre os países à frente de Portugal, seis dispuseram de um pacote financeiro muito inferior ao nacional e abaixo dos 10 mil milhões de euros, sendo que dois destes estavam à frente por décimas.

De acordo com os dados da Comissão Europeia a outubro, não esquecendo a sua atualização diária, a taxa de execução nacional era de 54,79% do total do pacote financeiro, o que equivalia a 18,19 mil milhões de euros executados. No entanto, a taxa de compromisso já assumida atingia os 106% para um valor de 35,25 mil milhões de euros. Repare-se que esta “sobrealocação”, que é aliás prática comum de todos os países, resulta de eventuais desistências de candidaturas de empresas, revisão em baixa de alguns projetos ou dificuldades na execução de certos projetos que vêm depois a ser abandonados.

Seguindo os dados de outubro, a Finlândia apresentava a taxa de execução mais elevada com 74% já utilizados do pequeno pacote de 8,43 mil milhões de euros, seguindo-se o Luxemburgo com 67% (de um pacote de apenas 455 milhões de euros) e depois a Irlanda com 66% de execução de um pacote de 6,13 mil milhões de euros. À frente de Portugal estavam ainda a Áustria, (65% de um pacote de 10,62 mil milhões de euros) e a Suécia (64% de um pacote de 6,92 mil milhões de euros) todos eles com um pacote financeiro muito inferior ao nacional.

Inversamente, se observarmos os países com o maior pacote financeiro, a Polónia e Itália, verificamos que a sua taxa de execução é, respetivamente, de 46% e 40%. Próximo de Portugal estão a França com uma taxa de execução de 55,43% de um pacote de 45,87 mil milhões de euros e a Estónia com 54,87% de um pacote de apenas 5,77 mil milhões de euros.

Ainda que tenha terminado o prazo do último quadro comunitário, Portugal e os seus pares têm mais três anos para executar estes fundos na sua totalidade, o que significa para o país uma execução de cerca de 45% do valor disponível. Ainda assim e pelos dados observados, temos que concluir que Portugal não compara mal com os parceiros europeus, antes pelo contrário, se atendermos à dimensão dos diferentes pacotes financeiros.

Um último ponto prende-se com a perceção de que uma gestão pouco eficiente levou à devolução a Bruxelas de verbas europeias em valores significativos o que teria constituído um desperdício de fundos europeus. Do que sabemos, apenas no Quadro Comunitário de Apoio III (2000-2006) Portugal teve que devolver à Europa por falta de execução, uma verba de 40,2 milhões de euros, o que representou 0,2% do respetivo pacote financeiro de então.

Um último ponto prende-se com a perceção de que uma gestão pouco eficiente levou à devolução a Bruxelas de verbas europeias em valores significativos o que teria constituído um desperdício de fundos europeus. Do que sabemos,  apenas no Quadro Comunitário de Apoio III (2000-2006) Portugal teve que devolver à Europa por falta de execução, uma verba de 40,2 milhões de euros, o que representou 0,2% do respetivo pacote financeiro de então.