Segundo dados divulgados pelo Eurostat, quase 13% da população portuguesa não tem acesso a cuidados de saúde oral. Esta é a segunda pior percentagem da União Europeia. E, pior ainda, o facto de quase um em cada seis portugueses estar excluído é mais do dobro da percentagem do país vizinho e quase quatro vezes pior que a média da União Europeia. Números preocupantes, não acha?

Esta exclusão, segundo todos os inquéritos, deve-se à incapacidade dos portugueses em suportar os custos. É quase chocante ter conhecimento que cerca de um décimo da população portuguesa não tem dente algum, segundo dados oriundos do Barómetro de Saúde Oral da Ordem dos Médicos Dentistas.

Que isto aconteça no país que ombreia com os melhores em esperança de vida, em cobertura de cuidados médicos aos recém-nascidos ou em vacinação é, digamos, quase surreal. Tanto mais que, fruto do investimento privado, hoje temos capacidade formativa ímpar na área da medicina dentária, sendo que Portugal é o terceiro país na União Europeia com mais dentistas por cada cem mil habitantes.

Resumindo, não temos um problema de oferta. Temos, isso sim, um enorme problema de incapacidade da procura.

Muito provavelmente, os dados que citei acima, referentes a 2019, ter-se-ão agravado com a pandemia e com as restrições sanitárias, que vieram limitar ainda mais o acesso dos portugueses aos cuidados de saúde oral. Importa relembrar que a fileira dos profissionais deste sector foi das mais afectadas com o confinamento e com as medidas de precaução adicionais.

É justo reconhecer que tem vindo a ser feito pelo Estado um esforço para melhorar o acesso dos portugueses a cuidados de saúde oral. Programas como o cheque-dentista, uma forma de auxílio directo à procura sem cair no erro de estatizar ou burocratizar a oferta, vieram no sentido certo. Contudo, importa alargar o programa, torná-lo universal e adequado ao esforço, à necessidade e à complexidade dos actos médicos a praticar. Tal como está, o programa cheque-dentista tem critérios demasiado restritivos, penalizando duplamente a classe média que o financia através dos seus impostos mas que dele não beneficia.

A terminar, reconheça-se o papel relevante dos subsistemas de saúde, colmatando as falhas e a omissão do Estado. Concebidos como complementares ao Serviço Nacional de Saúde, e financiados apenas como tal, os subsistemas têm desempenhado um papel verdadeiramente substitutivo (e não apenas complementar) no acesso dos portugueses à saúde oral. Não nos rogamos a esforços, e o comprometimento dos subsistemas está em crescendo, apesar do alheamento das entidades empregadoras no que às necessidades de financiamento diz respeito. Compete ao Estado, agora, assumir as suas responsabilidades constitucionais.

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.