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“É possível fazer os médicos portugueses prescreverem mais genéricos”

O responsável pela associação europeia dos medicamentos genéricos diz que estes podem libertar recursos para outras necessidades do setor.
19 Julho 2017, 07h00

O diretor-geral da associação que representa a indústria europeia de medicamentos genéricos e biossimilares diz que a quota de mercado destes produtos é em Portugal ainda muito baixa e que o governo deve fomentar a concorrência. Em entrevista ao Jornal Económico, Adrian van den Hoven defende a criação de incentivos que descriminem positivamente a remuneração em função do preço dos medicamentos dispensados na farmácia e o apoio ao sucesso da concorrência face produtos de marca com forte implantação no mercado.

Os genéricos já detêm uma quota significativa do mercado europeu de medicamentos. Ainda há potencial de crescimento? Qual é o rácio ideal?

A indústria europeia de genéricos é responsável por mais de 60% dos medicamentos consumidos na Europa. Esperamos que, até 2020, estes medicamentos representem mais de 75% do mercado de medicamentos europeu, o que mostra, claramente, que ainda existe um grande potencial para melhorar o acesso aos medicamentos. Idealmente, os governos deveriam esforçar-se para otimizar a eficiência dos seus sistemas de saúde, o que implicaria passarem a utilizar medicamentos genéricos imediatamente após o termo das patentes ou dos acordos de exclusividade associados aos medicamentos originadores.

Em que países existe maior potencial de crescimento?

Há ainda muitos países europeus com quotas muito baixas de medicamentos genéricos, especialmente os países latinos. Por exemplo, no mercado português, os genéricos representam apenas de 47%, um valor muito baixo quando comparado com o registado na Alemanha ou na Dinamarca, que é de 80%. Existe, claramente, um potencial de crescimento do mercado dos genéricos. Potencial este que permitiria um maior acesso dos doentes aos medicamentos e contribuiria para a sustentabilidade do sistema de saúde português. E acreditamos que é possível fazer mais para incentivar os médicos portugueses a prescreverem mais medicamentos genéricos.

Em Portugal, o peso dos genéricos é muito baixo quando comparado com outros países europeus. O que poderá justificá-lo?

A média europeia de quota de mercado dos genéricos é de 62%, com alguns países a atingirem quotas superiores a 80%. Portugal iniciou tarde a implementação de políticas favoráveis aos genéricos, ainda que tenha conseguido alcançar excelentes resultados nos últimos anos. O governo português implementou várias medidas para promover a prescrição, dispensa e uso de medicamentos genéricos, mas há ainda muito que pode ser feito para melhorar o desempenho deste mercado, como implementar normas de orientação clínicas para evitar desvios de prescrição não justificados para moléculas (mais caras) ainda sob patente; incentivar o farmacêutico a dispensar medicamentos genéricos, descriminando positivamente a remuneração em função do preço dos medicamentos dispensados na farmácia e fomentar o sucesso da concorrência face produtos de marca com forte implantação no mercado, para os quais ainda não exista a concorrência de genéricos, limitando a redução do preço de introdução de genéricos face ao originador a um máximo de 30%, em vez dos atuais 50 %.

Qual avaliação que faz do mercado genérico português?

O mercado português de genéricos é um dos mais difíceis, com uma quota de mercado que é uma das mais baixas a nível europeu e com atrasos na entrada de novos produtos devido a procedimentos de arbitragem forçados por disputas de patentes, em processos judiciais muito dispendiosos. Barreiras agravadas pela taxa extraordinária de 13,4% sobre os valores de tabela praticados nos hospitais, que as empresas têm de suportar. A conjugação destes fatores torna extremamente difícil a sobrevivência dos fabricantes de medicamentos genéricos no mercado português.

Resultado destas contingências, verifica-se já que para algumas moléculas de uso hospitalar o número de fornecedores diminuiu drasticamente, devido à taxa extraordinária, levando a que subsistam apenas um ou dois fornecedores no mercado, mesmo para alguns antibióticos, aumentando o risco de ruturas de stocks, o que, em última instância, coloca em risco a saúde da população.

De salientar, ainda, que Portugal é um dos únicos países da União Europeia onde vigora um sistema de arbitragem de conflitos de patentes. Um processo caro, moroso e que leva a atrasos na entrada de novos genéricos. Saliente-se que as custas dos processos judiciais de conflitos de patente ultrapassam, muitas vezes, os valores previstos de venda dos medicamentos que se pretendem introduzir, inviabilizando assim a sua entrada no mercado.

As dificuldades envolvidas na aprovação e no reembolso de novos produtos pelas autoridades portuguesas desmotivam as empresas que queiram entrar no mercado?

Portugal é um dos últimos países onde ainda se aplica um sistema de arbitragem para resolução de conflitos de patentes. É claro que muito embora concordamos com a defesa dos direitos de propriedade intelectual, também dizemos que a concorrência deve começar no dia seguinte ao fim do período de proteção de patente que determina o monopólio do mercado pelo medicamento originador. Ora, o que acontece é que o sistema de arbitragem de conflitos relacionadas com patentes que vigora em Portugal conduz a disputas num vasto leque de frágeis ou mesmo inválidos direitos de patente que num contexto normal nunca seriam disputados em tribunal. A este problema acrescem as incrivelmente elevadas taxas judiciais, que constituem uma verdadeira barreira à nossa indústria.

O sistema que vigora em Portugal conduz a atrasos injustificados a acrescenta despesa ao sistema nacional de saúde e aos doentes. É um importante obstáculo ao desenvolvimento do mercado de genéricos, que o Governo Português deveria remover o mais rapidamente possível.

O atraso nos pagamentos por parte do Estado e a dívida constante são dos problemas mais frequentemente referidos pelas empresas farmacêuticas que operam em Portugal. Considera a atual situação sustentável?

Isso mostra que o sistema de saúde português está sob permanente stress financeiro, que se anda permanentemente “no fio da sustentabilidade”. Reconhecemos que se trata de um desafio e que podemos ajudar a tornar o sistema mais sustentável. Em Portugal, a nossa associação local (APOGEN) propôs ao governo um acordo para estimular a concorrência no mercado dos genéricos e biossimilares. Ao estimular a concorrência, fomentando a prescrição de genéricos ou de biossimilares, o governo poderá tratar mais doentes, ao mesmo tempo que consegue realocar recursos para dar resposta a necessidades urgentes do sistema, como o investimento em infraestruturas hospitalares, a contratação de mais profissionais de saúde ou ainda propiciar o acesso à inovação. Portugal necessita de um plano para estimular o mercado de genéricos e de biossimilares em benefício dos pacientes, e nós estamos preparados para ajudar o governo a alcançar esse objetivo. Como também estamos preparados e gostaríamos de apoiar o governo noutros desafios importantes, os que se colocam na gestão de doenças crónicas, uma área que os governos europeus têm enormes dificuldades em financiar.

Podemos fornecer inovação a preços razoáveis, com melhores resultados para os pacientes e contribuindo para uma maior eficiência dos sistemas de saúde. O nosso setor está a investir na investigação que permita conseguir um aumento rápido do número de moléculas disponíveis para melhoria dos resultados em saúde de condições como a asma ou a doença pulmonar obstrutiva crónica (DPOC), doença mental, cancro e ainda no combate à resistência antimicrobiana.

Qual a sua expectativa relativamente à evolução do mercado dos biossimilares?

Os medicamentos biossimilares assumem cada vez maior importância para o acesso dos doentes a terapias biológicas. Trata-se de um setor que, num passado recente, estava limitado a áreas terapêuticas que cobriam apenas cerca de 8% do mercado de medicamentos biológicos. Acreditamos que, a médio prazo, os novos medicamentos biossimilares irão cobrir cerca de 60% do mercado biológico total, incluindo terapias importantes, como as indicadas no tratamento de doenças autoimunes como a artrite reumatoide e doença intestinal (Infliximab, etanercept), oncologia (rituximab, trastuzumab) e antidiabéticos (insulina glargina).

Neste momento, a Europa acumula 97% das vendas globais de medicamentos biossimilares e mais de 10 anos de experiência de uso clínico seguro destes medicamentos.

Podemos constatar que cada vez mais empresas farmacêuticas estão a entrar neste mercado e esperamos que este grupo de medicamentos se torne parte integrante dos sistemas de saúde. Portugal tem revelado grande potencial de crescimento nesta área. Desde logo, porque é um dos países europeus com menor consumo de medicamentos biológicos para tratamento de doenças auto-imunes, como a artrite reumatóide. Ora, os medicamentos biossimilares indicados no tratamento da artrite reumatóide podem, per si, contribuir para um aumento massivo do acesso a esses tratamentos. Para que isso aconteça, é necessário agir no sentido de melhorar a informação dirigida aos médicos e aos doentes – por exemplo, difundindo documentos de orientação da Comissão Europeia e da Agência Europeia de Medicamentos para médicos e pacientes.

Portugal é candidato a receber a Agência Europeia de Medicamentos. Considera que o país reúne as condições necessárias?

Há muitos países que neste momento se perfilam como bons candidatos para receberem a Agência Europeia dos Medicamentos (EMA, na sigla inglesa). Portugal – e Lisboa – é certamente um deles. Na perspetiva da indústria farmacêutica, é essencial que a EMA fique sedeada numa cidade acessível aos “players” do mercado. É também importante que a autoridade nacional do país que irá hospedar a futura sede da EMA (em Portugal, o Infarmed) realize os investimentos necessários à contratação de pessoal altamente qualificado e se comprometa a desempenhar um papel de relevo nos processos científicos da agência. Preocupa-nos particularmente que a EMA e as agências do medicamento nacionais disponham de pessoal altamente qualificado, de modo a garantir o importante trabalho científico que atualmente desempenham para prestar o melhor serviço aos doentes europeus.

Dito isto, pessoalmente gosto muito de Portugal e da bela cidade de Lisboa. Não é por acaso que este ano realizámos a nossa conferência anual em Lisboa. Mas é claro que não sei se as considerações pessoais desempenharão qualquer papel na escolha, pela Comissão Europeia, da relocalização da sede da EMA. Mas espero que sim, em nome dos apoiantes da candidatura de Lisboa.

Artigo publicado na edição digital do Jornal Económico. Assine aqui para ter acesso aos nossos conteúdos em primeira mão.

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