Há uma civilização de diferença entre patriotismo que nos falta e nacionalismo que é o terreno fértil da ignorância. Na sequência do discurso nacionalista de Donald Trump, a extrema-direita europeia reuniu na Alemanha e celebrou o novo líder norte-americano, o Brexit e a saída do euro ameaçada pela França e Itália.
Os mercados celebraram Trump: nos últimos 50 anos, a bolsa só tinha ficado tão eufórica com a nomeação de Kennedy. A promessa da prosperidade económica é o viagra daqueles partidos, como aconteceu na antecâmara da ascensão dos ditadores no início do séc. XX. O preço a pagar foi o sacrifício dos valores humanistas, das liberdades individuais, da tolerância. A guerra. Quem vota hoje lembrar-se-á disso? Saberá no que vota?
Nas primeiras 48 horas em funções, Trump rasgou o acordo comercial com os países asiáticos, acabou com a versão espanhola do site da Casa Branca, literalmente desqualificando o facto de há muito a população norte-americana ter sido ultrapassada por cidadãos legítimos de outras geografias ou seus descendentes. Desqualificando aquela que é a própria história dos EUA e uma das razões da sua prosperidade. E é só o começo. É também isto que quer uma Marine Le Pen e o grupo que galvaniza em cima de uma democracia feita de pessoas que deixaram de ver o exercício da democracia como uma responsabilidade, direito e privilégio. Que veem no exercício do voto uma punição das elites políticas progressivamente mais incompetentes.
É preciso lutar contra o pensamento vazio e revanchista do nós contra os outros, contra o medo que alimenta estas vitórias incompreensíveis e que nos devem envergonhar. Enquanto discutimos défices e dívidas, deve e haver – que são essenciais para a liberdade e soberania de um país, mas que lamentavelmente pouco dizem às pessoas –, os líderes populistas, nacionalistas e perigosos ganham terreno. Le Pen pediu os europeus “Acordem”, chamando à extrema-direita solução e citando os exemplos do Brexit e de Trump como sucessos da democracia. Não são. Foi no dia seguinte que norte-americanos e ingleses acordaram. E não celebraram. Antes choraram de arrependimento por não terem votado ou por terem usado estupidamente o voto para protestar contra um status quo ou para assinalar a fraqueza de quem hoje aspira a governar.
Em 2017 esperemos que os franceses não votem contra a fraqueza de Hollande dando força a Le Pen. Que pensem na França. Que os alemães não votem contra o realismo de Merkel em relação aos refugiados: fechar as fronteiras pode atrasar a entrada, mas vai despertar a guerra. Que esta crise traga novos líderes, com carisma quanto baste para combater populistas, mas com o equilíbrio dos que construíram as democracias liberais modernas. É preciso acordar. E não é no dia seguinte.