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E se Carlos Costa renunciar? Elisa Ferreira ficará como governadora do BdP

Se Carlos Costa renunciar ficar à frente do Banco de Portugal, antes de terminar o seu mandato em maio de 2020, quem o substitui como governador? De acordo com a lei orgânica do banco central português será Elisa Ferreira que assumirá as rédeas da supervisão do sistema financeiro.
19 Fevereiro 2019, 14h05

O governador do Banco de Portugal é “inamovível”, mas pode ser exonerado do seu cargo se não cumprir os requisitos ou tiver cometido falta grave.  Um cenário que o líder do PS já afastou, na semana passada, com Carlos César a sinalizar que dificilmente o Executivo irá desencadear o processo de exoneração do governador do Banco de Portugal. Justificação: “há um problema de ineficácia num processo dessa natureza”, disse o líder parlamentar do PS no programa Almoços Grátis da TSF, explicando que um processo de exoneração arriscaria a estender-se para além do fim do mandato de Carlos Costa que termina em maio de 2020.

O líder do PS deixou, no entanto, claro que os socialistas desejam que Carlos Costa deixe as funções: “Todos, provavelmente até o próprio, anseiam por esse momento” do fim do mandato, disse César no programa da TSF, considerando que a actual fragilidade de Carlos Costa “é idêntica à que ele já revelou no passado”. “Infelizmente o actual governador teve sempre um desempenho marcado pela passividade em inúmeras circunstâncias”, afirmou o deputado socialista, numa referência, entre outros casos, ao processo das decisões sobre créditos ruinosos na Caixa Geral de Depósitos (CGD) entre 2010 e 2015, de cuja administração Carlos Costa fazia parte entre 2004 e 2006, quando foram aprovados créditos ruinosos a Joe Berardo e Manuel Fino que causaram prejuízos de 161 milhões de euros ou a Vale do Lobo que geraram perdas ao banco público de 228 milhões de euros, segundo a auditoria da EY à gestão da Caixa.

Com Carlos Costa na mira o PS, que já afirmou ter “suspeitas” sobre a conduta do governador do Banco de Portugal, só a renúncia ao cargo pelo próprio se coloca como alternativa à proposta de exoneração não poderá avançar para já, pelo menos até à conclusão de inquérito. Saiba aqui quais as circunstâncias em que Carlos Costa pode ser afastado do cargo, o que está em causa na sua ligação à CGD, e em caso de renúncia por quem será substituído

Se Carlos Costa renunciar ao cargo de governador, será substituído por quem?

Neste cenário, ainda que considerado remoto, será substituído pela vice-governadora Elisa Ferreira. Segundo o art.31º da lei orgânica do Banco de Portugal,  o governador será substituído, nas suas faltas ou impedimentos, pelo vice-governador  mais antigo em funções ou, em igualdade de circunstâncias, pelo mais velho. É o caso de Elisa Ferreira, 63 anos, que apesar  ocupar o cargo de vice-governadora  desde Setembro de 2017, ao mesmo tempo que o outro vice-governador, Luís Máximo dos Santo, 58 anos, é cinco anos mais velha.

O governador do BdP pode ser exonerado?

Pode, por proposta do Ministério das Finanças e em casos previstos no estatuto do sistema europeu dos bancos centrais. Ou seja, apenas em circunstâncias muitos especiais e em caso de falta grave, mas sempre em articulação com o Banco Central Europeu (BCE). Para se ter uma ideia a exoneração de um governador de um banco nunca aconteceu na Europa, pois a legislação comunitária deixa um espaço muito reduzido para o afastamento de um banqueiro central.

Como é que pode ser exonerado?

A lei orgânica do Banco de Portugal determina que “os membros do conselho de administração são inamovíveis, só podendo ser exonerados dos seus cargos caso se verifique alguma das circunstâncias previstas no n.º 2 do artigo 14.º dos Estatutos do SEBC/BCE [Sistema Europeu de Bancos Centrais/BCE”.

Esta legislação europeia refere que “um governador só pode ser demitido das suas funções se deixar de preencher os requisitos necessários ao exercício das mesmas ou se tiver cometido falta grave”. Nesse caso, a lei prevê ainda que, no prazo de dois meses, pode recorrer na decisão no Tribunal de Justiça Europeu com fundamento em violação dos tratados ou de qualquer normal jurídica relativa à sua aplicação.

Já segundo a lei orgânica do Banco de Portugal, “o governador e os demais membros do Conselho de Administração são escolhidos de entre pessoas com comprovada idoneidade, capacidade e experiência de gestão, bem como domínio de conhecimento nas áreas bancária e monetária”.

Estes estatutos determinam que “um governador só pode ser demitido das suas funções se deixar de preencher os requisitos necessários ao exercício das mesmas ou se tiver cometido falta grave“.

O que constitui falta grave?

O conceito de “falta grave” não está definido com clareza nos estatutos do BCE. Em várias opiniões emitidas relativas ao quadro legal de países da Zona Euro, o regulador europeu classifica de “falta grave” as decisões ou omissões que violem a lei, um conceito que é relativamente aberto.

Em outras situações, os requisitos acabam por ser mais específicos. É o caso, por exemplo, dos  requisitos de reporte relativos às estatísticas de balanço, em que o BCE define como “falta grave” as seguintes situações: incumprimento sistemático dos padrões mínimos para as revisões; reporte incorreto com intenção fraudulenta; reporte sistemático de dados incorretos; flagrante falta de cooperação com o banco central competente e/ou com o BCE.

Carlos Costa já cometeu faltas graves?

Oficialmente, nunca lhe foi apontada uma falta grave. Mas a possibilidade da sua exoneração que voltou a ser reclamada nos últimos dias pelo Bloco de Esquerda (BE), já foi colocada no passado. Em março de 2017, o BE através de um projeto de resolução  apresentou cinco casos concretos, todos relacionados com a atuação do supervisor nos casos do BES e do Banif, que comprovarão as “faltas graves” cometidas. Os bloquistas defenderam então que  “o Banco de Portugal não articulou a sua intervenção com as restantes entidades de supervisão, com consequências para a estabilidade do sistema financeiro; o Banco de Portugal não agiu atempada, mesmo quando tinha elementos suficientes para isso; o Banco de Portugal foi ineficaz nas suas orientações e determinações, tendo permitido sucessivas violações por parte da entidade supervisionada; o Banco de Portugal não colaborou de forma adequada com a Assembleia da República; o Banco de Portugal não foi um elemento de proteção e clarificação dos clientes afetados por práticas bancárias lesivas, pelo contrário”.

E qual é a avaliação que faz o ministério das Finanças?

Também o próprio ministro das Finanças já admitiu falhas na supervisão de Carlos Costa.  Mário Centeno sinalizou em abril de 2017, em entrevista à RTP: “é uma falha grave que nós reputamos de falha grave de transmissão de informação“, disse o governante, referindo-se ao facto de o Banco de Portugal ter omitido que tinha pedido ao BCE para limitar o financiamento ao Banif. Mas o Executivo de António Costa nunca retirou consequências destas falhas graves, apesar do primeiro-ministro ter defendido, em 2015, que a “imagem do Banco de Portugal está degradada”.

Já a 11 de fevereiro, na sequência da notícia do Jornal Económico que revela que Carlos Costa escapou à avaliação de idoneidade que está a ser realizada a ex-gestores da Caixa, o  secretário de Estado Adjunto e das Finanças deixou um sinal. Mourinho Félix exigiu, o apuramento das responsabilidades de “todos os envolvidos” na gestão danosa da CGD, envolta em polémica pela concessão de créditos ruinosos, pedindo a aplicação de consequências “sem olhar a quem”.

Quais as falhas graves que podem ser apontadas ao governador?

Carlos Costa foi administrador da CGD entre abril de 2004 e setembro de 2006, período em que participou dos conselhos de créditos que  aprovaram créditos ruinosos, por exemplo, a  Joe Berardo e Manuel Fino, num total de 223 milhões de euros, que geraram perdas para o banco público de 161 milhões de euros, segundo o relatório da auditora EY. Segundo a revista Sábado, Carlos Costa participou pelo menos em  quatro reuniões do conselho de crédito nas quais foram aprovados empréstimos a devedores problemáticos. De acordo com as atas destas reuniões, reveladas pela Sábado, não há qualquer referência a um debate ou a um voto vencido de administradores. Aliás, a participação nestas reuniões, foi um dos argumentos utilizados pelo BdP e BCE para não dar ‘luz verde’ à avaliação de idoneidade no âmbito da nomeação de outro ex-gestor da CGD, Norberto Rosa, para funções não executivas na administração do BCP. E isto apesar de, tal como Carlos Costa, este antigo administrador não assumir na altura funções nas áreas crédito, risco, acompanhamento de clientes ou de controlo e auditoria interna. Esta atuação volta, assim, a lançar a questão da idoneidade exigida a um governador do banco central.

No caso de Carlos Costa, além deste mesmo argumento [participar em conselhos de crédito que aprovaram créditos ruinosos sem voto contra], que foi aplicado a Norberto Rosa, poder ser utilizado, acresce o argumento de falha grave. É que, a partir de 2010, já como governador do Banco de Portugal, significa que já era o responsável pela supervisão do sistema bancário num período que fica abrangido pela auditoria à CGD. Ou seja, em último caso, poderá ter falhado nas suas competências de supervisão do maior banco do sistema.

Na Europa já foi exonerado algum governador?

Não. O único caso que continua a ser dirimido nos tribunais é o do governador do Banco Central da Letónia, Ilmars Rimsevics, suspeito de ter solicitado um suborno e, por isso, foi detido, no início de 2018 por ordem da agência nacional anti-corrupção, tendo sido libertado depois de pagar fiança. Apesar da saída de Rimsevics  de um banco central na Zona Euro, o Banco Central Europeu recorreu dessa suspensão, por considerar que é uma decisão ilegal. O caso está na justiça europeia, aguardando-se a decisão final nos próximos meses.

Como é nomeado o governador?

O governador do Banco de Portugal é nomeado por resolução do Conselho de Ministros, sob proposta do Ministro das Finanças e após audição na Assembleia da República, o que aconteceu pela primeira na renovação de mandato de Carlos Costa em 2015. A lei orgânica do supervisor da banca determina que o governador e os restantes membros do conselho de administração têm de cumprir requisitos para serem nomeados: comprovada idoneidade, capacidade e experiência de gestão, bem como domínio de conhecimento nas áreas bancária e monetária.

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