Sendo certo, e reconhecido, que desde 1959 muito se tem evoluído do ponto de vista da criação de mecanismos de reflexão e proteção globais que realçam o papel das crianças numa sociedade plural, estes tardam na construção da cidade do século XXI. A Declaração dos Direitos da Criança, publicada pela assembleia geral das Nações Unidas, permitiu estabelecer os direitos e apontar os meios para alcançar a proteção, educação, saúde, abrigo e boa nutrição.

Em 1996, a Iniciativa Cidades Amigas da Criança (CFCI), promovida pela UNICEF e UN-Habitat, sublinhou que as cidades devem ser lugares de bem-estar das crianças. Este é o indicador essencial para um habitat saudável, uma sociedade democrática e de boa governança. Visão que viria a ser destacada, na mesma altura, pelo economista e líder da Comissão Europeia Romano Prodi, ao afirmar que não seria mais suficiente oferecer serviços às crianças, seria preciso devolver-lhes as cidades.

Contudo, se observarmos com atenção as cidades contemporâneas europeias, verificamos que ainda há muitas questões práticas a tratar para que seja dada prioridade aos direitos das crianças nas políticas públicas e programas dos decisores. Desenhar a cidade que respeite o espaço e as necessidades das crianças é determinante para resolver os desafios atuais de desenvolvimento e guiar as cidades para um futuro  que se pretende sustentável em todos os seus pilares.

Os decisores públicos podem começar por procurar respostas às seguintes questões: A cidade é de quem? Será que a cidade é amigável para as crianças? Como poderão as crianças contribuir para a discussão e reflexão no envolvimento comunitário?

Na arquitetura, Aldo van Eyck pode ajudar na necessária reflexão. O arquiteto projetou, entre 1947 e 1978, centenas de espaços para as crianças na cidade de Amesterdão. Adotando uma abordagem ecológica, os playgrounds públicos foram desenhados em parques, praças e espaços abandonados, com base em elementos estéticos minimalistas para estimular a criatividade das crianças. Uma experiência sensorial e cognitiva que convida a criança a explorar ativamente as inúmeras possibilidades de ação.

Vistos em série, definiram uma rede de lugares com capacidade de transformação e recodificação constante, que vão para além do equipamento lúdico cercado, garantindo a participação de todos os cidadãos na vida da cidade.

Outro desafio fundamental, na procura de respostas dos decisores, é olhar para as cidades através do olhar das crianças. Várias instituições têm produzido guiões e recomendações para que o envolvimento das crianças no desenho de soluções torne as cidades mais amigáveis. Projetos como ‘If kids built a city’ do Playful Pittsburgh Collaborative ou ‘Cities Alive: Designing for urban childhoods’ da ARUP  permitem mapear, de forma mais ampla e criativa, os bairros a partir do olhar das crianças.

Neste cenário, em Portugal, está em curso o projeto ‘À procura do meu lugar’, promovido pelo Município de Valongo, no âmbito do V4.0, em colaboração com o Laboratório de Planeamento e Políticas Públicas – L3P da Universidade de Aveiro. Ficamos na expectativa da apresentação dos resultados do processo participativo das crianças e jovens e respetivos contributos para o Plano Diretor Municipal de Valongo.

Todas estas ações e recomendações conduzem-nos necessariamente, sempre, a uma simples conclusão: que cidade queremos? Porque, como argumenta Enrique Peñalosa, ex-presidente do município de Bogotá, as crianças são uma espécie de grupo indicador. Se pudermos construir uma cidade amigável para as crianças, teremos uma cidade amigável para todos.