A eventual transferência do ministro das Finanças para o Banco de Portugal (BdP) tem feito correr tinta e merece ser analisada a partir de duas perspetivas distintas.

Em primeiro lugar, analisemos a questão de forma genérica e em termos de princípios. A nomeação de Mário Centeno para o lugar de governador não seria um movimento inédito. No seu tempo, Tavares Moreira e Miguel Beleza também transitaram de lugares no Governo para a liderança do banco central, sem grandes sobressaltos. Porém, os tempos mudaram e o governador do BdP deve ser alguém cuja independência face ao Governo em funções não suscite a mais pequena dúvida. O que será difícil de assegurar se o próximo governador for o atual ministro das Finanças.

Em segundo lugar, olhemos para a situação específica de Mário Centeno. Tal como Luís Marques Mendes e outros comentadores têm defendido, as relações entre o ministro das Finanças e o primeiro-ministro já conheceram melhores dias, sobretudo desde que o “Ronaldo das Finanças” viu goradas as expetativas de vir a ocupar um alto cargo internacional.

Segundo esta linha de raciocínio, se vier a sentar-se na cadeira de governador, Centeno estará à vontade para se distanciar ainda mais de António Costa e para se transformar numa pedra no sapato do Executivo, sobretudo quando se tornarem evidentes os limites da política que ele próprio traçou à frente das Finanças. O mesmo é dizer que, em termos de percepção pública quanto à sua independência, Mário Centeno poderá não ser a pessoa certa para liderar o BdP. Mas que, na prática, as coisas não serão tão lineares.

Com ou sem Centeno, o país só terá a ganhar se o próximo governador for uma personalidade independente do poder político vigente. E a forma inovadora de o assegurar seria fazer um concurso público internacional, tal como sugeriu há dias Carlos Guimarães Pinto. O próprio Centeno, se fosse nomeado através de um procedimento destes, ficaria com legitimidade reforçada.

Tal concurso seria aberto a portugueses e a estrangeiros, sendo que estes últimos teriam de estar dispostos a pedir a cidadania lusa. Portugal poderia seguir o exemplo do Reino Unido e passar a ter um governador de origem estrangeira (embora neste caso não tenha havido um concurso formal). Desde 2013 que o Banco de Inglaterra tem o canadiano – súbdito de Isabel II, portanto – Mark Carney como governador, sem que tenha ocorrido uma tragédia por causa disso.

Pelo contrário, Carney tem sido amplamente elogiado pela forma como lidera o Banco de Inglaterra, com a sua experiência pessoal na banca de investimento a permitir-lhe ter um conhecimento da vida real e um sentido prático mais apurados que os da maioria dos seus colegas, cujas carreiras se fizeram exclusivamente nos bancos centrais e na academia. Deu-se o Brexit, claro, mas isso foi obra dos próprios ingleses e o governador canadiano até foi acusado por alguns de favorecer o campo do “Remain”, quando elencou os riscos para a economia britânica da saída da União Europeia.

Porém, ninguém com responsabilidades em Portugal deseja realmente que o governador possa ser escolhido por concurso, pelo que nunca será mais do que uma solução teórica. Além disso, o Carmo e a Trindade iriam abaixo se um cargo destes, tão apetecível, fosse para um estrangeiro caído de paraquedas, como Mark Carney no Reino Unido. É que por cá somos muito modernos, europeus e tal, mas não ao ponto de numa escolha desta importância a competência técnica poder pesar mais, de forma isolada, do que factores como o prestígio pessoal, a pertença partidária, os contactos certos ou a nacionalidade.