Numa recente entrevista à NBC, Donald Trump reafirmou a sua visão sobre a NATO e a importância da defesa da Europa. É uma visão transaccional, se quisermos verdadeiramente comercial.
Trump não acredita em alianças militares. Para ele, os interesses dos países são económicos, e a cooperação deve basear-se na concretização de transacções comerciais e nas vantagens que delas poderão resultar. E pensa que o resultado de transacções comerciais “justas” deve ser uma repartição de benefícios tangíveis, mas com preferência para os interesses dos EUA. Os aliados são, assim, concorrentes comerciais e como tal devem ser considerados.
Trump considera que no “negócio” da defesa do Atlântico Norte e das outras regiões a que a NATO tem vindo a alargar a sua actuação, os interesses dos EUA não têm sido devidamente valorizados, dado que os aliados não cumprem o objectivo de dedicar à sua defesa pelo menos 2% do seu PIB. Obama dizia que esta situação é injusta e pressionou para que os aliados aumentassem a sua contribuição para o esforço comum. Muitos líderes europeus reconhecem hoje a validade desta argumentação.
Mas Trump vai mais longe, e diz que a Europa além de estar em incumprimento de uma dívida aos EUA pelo excesso de financiamento da sua defesa, desrespeita os EUA ao não consumir produtos americanos e ao “inundar” o mercado norte-americano com os seus produtos. Por isso admite não só lançar mão das tarifas aduaneiras para combater esta injustiça, como também retirar-se da aliança.
A questão é complexa. Existe, de facto, uma deslocação gradual do centro de gravidade da economia mundial e, por isso, das prioridades da política externa dos EUA, do Atlântico para o Pacífico, à medida do crescimento da China, da Índia e de vários outros países dessa região. Nessa medida, a Europa perdeu, para os EUA e não só aos olhos de Trump, relevância estratégica relativa, e é difícil que a recupere no quadro actual.
Mas a Rússia, que se sente fragilizada por não ter a Oeste fronteiras naturais nem fácil acesso ao mar, desde sempre vê a Europa como objectivo estratégico de expansão.
Repito que, sobretudo tendo em atenção o exemplo da Ucrânia, a ameaça da Rússia, autocrática e agressiva, é hoje de novo o grande problema da Europa, que tem de pensar como se organizar para se proteger sem a garantia do auxílio do “amigo americano”, que poderá subvalorizar a defesa de certas zonas da Europa face a outros focos de preocupação.
Insisto que a sobrevivência da Europa exige que os europeus reconheçam que a garantia da paz exige construir um modelo em que as competências individuais e as responsabilidades nacionais, pelo menos em matéria de defesa e política externa, sejam assumidas em comum e delegadas a uma entidade central, independente dos Governos nacionais e a eles superior.
Mais, para sobreviver, poder viver em paz e manter uma posição activa e relevante num mundo multipolar, a Europa tem de aprofundar a integração económica, política e social em democracia, e ultrapassar as dificuldades criadas pelas diferenças culturais que a caracterizam e as tensões nacionalistas vindas do século XIX.
A Europa já viveu uma situação desse tipo, com muito bons resultados, no caso da CECA. Mas nessa época, em que também se colocava a ameaça russa (embora existisse a certeza do apoio dos EUA), a Europa tinha uma liderança forte e carismática, que concebeu e arrancou com o processo de construção da União Europeia em democracia e liberdade. Falta-nos, desta vez, uma liderança à altura.
O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.