Até aparecer o novel surto de coronavírus, a imunidade da economia mundial e, consequentemente, dos mercados financeiros foi uma fria realidade. É um facto que um coronavírus familiar do atual, a SARS em 2003 teve algum impacto e originou uma correção nas bolsas mundiais, mas aconteceu porque houve, ao mesmo tempo, questões de caráter geopolítico, como a eclosão da guerra no Iraque, como evento condicionante adicional.

Aliás, durante algum tempo parecia que não ia ser diferente desta vez. O vírus maldito era uma história asiática, e a instauração de medidas draconianas por parte do governo chinês criou o distanciamento necessário para que o resto do mundo se concentrasse nas rotinas do costume, num ano pleno em que atenções se voltavam para eventos como os Jogos Olímpicos e Europeu de futebol, e importantes eleições no mundo livre, com destaque para os Estados Unidos.

Em janeiro, os investidores continuaram a alimentar o tempo extra esperado para o comportamento das bolsas acionistas, centrados no desenlace positivo da fase um do acordo comercial, e numa maior benevolência dos bancos centrais relativamente a subidas de taxas de juro. Contudo, após o dia S. Valentim, o epicentro do surto movimentou-se da China para a Europa (Itália), e em pouco mais de um mês tornou-se num risco económico sem precedentes para a economia global, como não víamos desde 2008.

A resposta coordenada de bancos centrais e governos imperou, mas com os custos que todos conhecemos. No meio da turbulência europeia, ficou célebre a frase do então presidente do BCE, Mario Draghi, que rompeu com o mandato convencional da autoridade e dispôs-se a “fazer o que for preciso para manter o euro”. A questão, neste momento, é se “fazer tudo o que for preciso” será suficiente.

Com uma provável recessão a bater à porta da frente, a resposta institucional internacional tem de ser de elevadíssima dimensão, integrada, e desenvolver-se, pelo menos, nas três seguintes frentes:

1) Resposta de investimento forte e tão rápido quanto possível nas infraestruturas de saúde de forma a lidar com pacientes em condições graves e críticas;

2) Contínuas e inequívocas medidas de política monetária para proteger a liquidez nos mercados financeiros, impedindo o colapso do sistema interbancário e financeiro, e sobretudo nos mercados de dívida soberana e de empresas;

3) Implementar planos fiscais para lidar com o desemprego em larga escala enquanto durar a crise e evitar situações gravíssimas de perturbação social.

Tão importante quanto responder de forma inequívoca nestas três frentes é a resiliência. Até onde precisamos de ir e por quanto tempo a crise vai durar? Um congelamento da mobilidade dos cidadãos, uma paralisação controlada dos setores industriais, aliada à forte queda no consumo privado por um período indeterminado, afetará significativamente o crescimento económico e os ganhos das empresas.

Neste momento ainda não existe uma visão clara de quanto tempo pode demorar a repor a normalidade. Portanto, quando olhamos para os índices nas praças bolsistas que medem a volatilidade, verificamos que a aversão ao risco ainda está em níveis muito altos, mesmo após os principais bancos centrais, Fed e BCE, recuperarem as compras de ativos de QE e o ecossistema de taxa zero.

Por último, importa dizer que pode estar muito mais em risco que o impacte humano da doença ou sobre a economia. Pode estar também em risco a própria Democracia e a forma como encaramos o sistema político, sobretudo o europeu. Por isso, esta resposta integrada, sustentável e coordenada será obrigatória também para, desde o início, evitar espiral e contágio social. Os cidadãos europeus andam mais afastados do centro político e das instituições, votando cada vez mais em partidos anti-sistema, e no caso europeu nos movimentos nacionalistas e eurocéticos.

Estes eleitores dificilmente entenderão que no momento mais duro, a União Europeia não se entenda para dar uma resposta concertada. E isso, num determinado momento, vai ter mais valor que a crise deixa transparecer nesta altura. Esta é também a oportunidade para mostrar que não é necessário um regime autoritário e limitador das liberdades individuais para impor o interesse público de um país. Que a solidariedade entre povos do euro não é uma ficção. E que a Democracia é capaz de se proteger e reformar, para que perdure eternamente.