A existência de um mercado de capitais dinâmico, que valoriza as poupanças dos cidadãos e ajuda a financiar a economia, é uma das características de uma economia desenvolvida. Portugal tem uma economia desenvolvida. Então por que razão a nossa bolsa continua a encolher de ano para ano, a ponto de representar apenas cerca de 2,5% da capitalização total das bolsas que integram o grupo Euronext? Por que razão fracassaram várias entradas em bolsa nos últimos anos, de empresas portuguesas que se apresentavam ao mercado com bons fundamentais?

Para responder a estas questões, temos de ter em conta dois factores. Um de ordem estrutural e outro de natureza conjuntural.

O fator estrutural é a cultura: os empresários portugueses preferem recorrer ao crédito bancário, em vez de partilhar poder e prestar contas a outros acionistas. Muitos fundadores e gestores de empresas olham para as assembleias gerais de acionistas da mesma forma que a maioria das pessoas encara as reuniões de condomínio: é fugir enquanto se pode. O que seria se tivessem de cumprir as regras aplicáveis às sociedades cotadas!

Do lado dos empresários e das empresas que aceitam entrar em bolsa, o panorama não é melhor. Em Portugal, ser pequeno acionista ou obrigacionista é sinónimo de ser mal tratado. Recordemos alguns casos que se passaram nas últimas décadas: nos anos 80, a Sonae fazia meia dúzia de OPV seguidas, com empresas que rapidamente eram recompradas a desconto.

Mais tarde, na viragem do século, o BCP emprestou dinheiro a milhares de clientes para comprarem ações do próprio banco, incluindo a pessoas que tinham apenas a quarta classe e que, para além de perderem as poupanças de uma vida, ainda tiveram de pagar esses créditos durante anos a fio. E, ainda há poucos anos, outros bancos venderam obrigações perpétuas (!) a pessoas com mais de 80 anos. A lista é longa e podia continuar até aos nossos dias, mas o objetivo desta prosa não é castigar o leitor, nem causar-lhe fastio.

Resta-nos o factor conjuntural, chamado BES, que destruiu a confiança no mercado de capitais nacional.

Em primeiro lugar, porque o banco era considerado uma referência em termos de governance, cumprindo todas as formalidades requeridas nesse domínio, não obstante, nas palavras de um antigo administrador, existir o hábito de entrar mudo e sair calado das reuniões da administração.

A forma como colapsou lançou a dúvida não só sobre os mecanismos de controlo interno das cotadas portuguesas, mas também, e mais grave ainda, sobre os seus auditores. Além disso, o colapso do GES/BES levou também à queda da Portugal Telecom, aquela operadora cujo CEO tinha direito a um personagem com o nome de “Genial” no programa “Contra-Informação” e que, durante anos, ganhou todos os prémios de investor relations da Europa.

Por fim, e em segundo lugar, porque a resolução do BES foi uma verdadeira experiência nuclear que, aos olhos de muitos investidores, cá e lá fora, transformou Portugal num país radioativo.

Como resolver o problema? Provavelmente, só com medidas excepcionais por parte do Governo e dos supervisores, de modo a reforçar a confiança no mercado português e a criar o incentivo necessário para que as empresas olhem para a bolsa como uma alternativa credível face ao financiamento bancário.

Mas, antes disso, é necessário que o Governo compreenda de facto que existe um problema, o que não é líquido, até porque os partidos da geringonça não estão propriamente preocupados com a necessidade de termos um mercado de capitais livre e dinâmico, que contribua para uma sociedade civil mais forte e menos dependente do Estado. Como sempre, nesta e noutras áreas, o nosso primeiro problema são os espartilhos mentais, culturais e ideológicos que nos impedem de avançar.