Num quadro parlamentar de maioria relativa e governo minoritário o debate do Orçamento do Estado é uma negociação, como aliás sucede desde 2015! E mesmo numa situação de uma maioria absoluta de suporte a um governo maioritário também deveria ser. Só não é para quem confunde as funções governamentais com o papel da Assembleia da República em matéria orçamental.
Ora, parece que tal não é assim entendido por um rancho numeroso de comentadores mediáticos. E é difícil escolher/perceber o que é pura chicana política, indigência jornalística, ou enquistados preconceitos partidários e ideológicos.
Teme-se não se conseguir reproduzir a “riqueza” semântica que vai sendo publicada. Algumas amostras: “barganha orçamental”, “líderes da chicana”, “quando acabar o recreio, avisem”, “bisca lambida”, “jogo de taberna”, “uma espécie de brincadeira vergonhosa”, “jogos infantis” (HM); “a esquerda da nossa classe política – entretém-se há meses com um filme, visto e revisto, ensaiado e repetido até à náusea”, “os meninos brincam à volta da fogueira, enquanto os velhos morrem nos lares (…)” (MST); “Dançar ao Orçamento à beira do abismo” “a actual novela em torno do Orçamento”, “se a barganha política é como estamos a ver, com avanços e recuos, amuos e traições?” (JMT); “A discórdia que por aí vai, os ralhos que se ouvem, os insultos trocados fazem parte da tradicional forma como estes partidos tratam o dinheiro dos outros”(!), “Orçamento: a grande encenação”, “Está em cena desde agosto a peça ‘Agarrem-me ou Abro Uma Crise Política’” (LM);
“Estamos, parece, em plena comédia” “Num dia há crise política e dramalhão, no dia seguinte vai ficar tudo bem e somos amigos e patriotas”, “O sentido de Estado é inexistente, mas uma coisa aquela gente sabe, farejar a fraqueza”, “Costa não devia ter cedido como uma dama lacrimosa ao PCP e ao BE e agora é vítima de ambos” (CFA). Todos, à semelhança da inaudita confissão de um dos sapientes comentadores, “O OE (…) é o que pode ser” (HM), consideram que deve ser assinado de cruz!
Mas o que conhecem de facto do OE2021 apresentado pelo Governo PS? Das suas insuficiências e deficiências e carências? O que sabem das contrapropostas concretas apresentadas pelos partidos de esquerda? O que adivinharam das negociações feitas? Onde estão as suas análises sobre as propostas e contrapropostas? Depois da invenção de um OE de “esquerda”, “social”, e logo não podia ser chumbado pela esquerda, a tese de que qualquer que seja o conteúdo do OE ele tem que ser aprovado. E pela esquerda, mesmo que esta o considere de direita!
Aparentemente não querem saber se o OE2021 responde ou não aos problemas que o país vive. A sua única preocupação é a forma como decorrem as negociações dos partidos de esquerda com o Governo PS para introduzir as alterações e os acrescentos que julgam necessários. Aliás, não se percebe se o conteúdo não interessa porque não assestaram as baterias sobre os partidos de direita. Mas há uma coisa admirável, todos os caminhos vão dar a Rio! O PSD deve sacudir-se e aprovar o OE. Nada de barganha. Deite para trás das costas o que Costa disse, e dê o sim. É da ordem natural das coisas…
O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.
Nota: HM (Henrique Monteiro); CFA (Clara Ferreira Alves); LM (Luís Marques); MST (Miguel Sousa Tavares); JMT (João Miguel Tavares).