O período entre as décadas de 1950 e 1990 apresentou-se como estruturante no ensino em turismo no nosso país. Esse investimento foi vital no enraizamento e na crescente autonomização de uma área que se constrói todos os dias e que, nessa fase inicial, se socorreu, a título de empréstimo, de metodologias e de práticas e ferramentas do “corpus” teórico e documental de outras áreas disciplinares.

Os 32 anos que se seguiram foram palco de alterações significativas em diferentes áreas técnicas, alterações estas que importamos e que, ainda hoje, vivem algo desfasadas de outras geografias.

A hotelaria, a restauração, a aviação, as agências e os operadores evoluíram desde a década de 1990, porém, é um facto que a perceção das alterações – e em alguns casos substanciais melhorias – resulta, em grande medida, do impacto das tecnologias e dos processos agilizados por estas, mas não tanto dos modelos de negócio, das filosofias empresariais e dos procedimentos técnicos. Faz-se mais ou menos o mesmo que se fazia antes, mas em maior quantidade e para um público mais abrangente.

Retiremos a tecnologia de cena e os aspetos relacionados com a mudança de hábitos culturais (forma e estética). Presentemente, o que sobra é similar ao que se fazia há algumas décadas. Ainda que possa parecer paradoxal em relação aos argumentos que se apresentam adiante, a observação de que os procedimentos essenciais de determinada área são como que atemporais não pode ser motivo para o não acompanhamento da evolução das alterações dos mercados, das motivações e dos desejos.

O turismo, enquanto área de conhecimento, nasce das ciências sociais e humanas, mas igualmente das ciências empresariais e, justamente por isso, absorveu conhecimento das áreas da história, do património, da cultura, da linguística, da geografia, da sociologia, da antropologia e da psicologia, designadamente, ou seja, muito do que podemos considerar como a “substância” que promove a motivação de quem se desloca. Tal como recebeu muitas das “ferramentas” ou “processos” que possibilitam a organização, a comunicação e a distribuição efetiva dos produtos de natureza turística das ciências empresariais – gestão, economia, marketing, recursos humanos e finanças.

Neste cenário, não será estranho compreender que, para um futuro próspero do turismo, se pressuponha um equilíbrio coerente entre a substância e as ferramentas e os processos que permitem a sua promoção/divulgação.

Com efeito, a relação entre as ciências sociais e humanas e as ciências empresariais nem sempre é sossegada. De um lado, as primeiras são olhadas como oníricas, filosóficas (na conotação negativa da palavra) e pouco orientadas para o aspeto produtivo. Do outro lado, as segundas apontam ao mercantilismo da cultura e à agressividade da imposição cega dos números.

Por sua vez, não são distintas as discussões entre o meio académico e o meio profissional: a academia, queixando-se da falta de abertura, do conhecimento científico, do apoio financeiro e do interesse pelo estudo das causas, das condições e das consequências da evolução do turismo por parte das empresas. O setor empresarial arreda essas acusações e impute à academia o excesso de teorização e a desconexão com a realidade prática quotidiana e com uma certa inação criativa.

Onde se encontra a prioridade de formação dos profissionais no meio deste panorama?

Na verdade, assistimos no presente a uma inversão de princípios.

Existem três elementos básicos a assegurar em qualquer área da educação, ainda que com especial impacto no turismo:

1) Quais as perspetivas de futuro e que via pretendem os alunos?

2) Do que necessitam, efetivamente, as empresas e que responsabilidades devem assegurar para com a academia e os alunos?

3) Qual o enquadramento da academia e como gerir as suas valências proactivamente e em colaboração com os pontos anteriores?

Porém, o tripé essencial para a sustentação do ensino de turismo em Portugal é disfuncional.

Em primeiro lugar, porque os alunos que, por razões sociais e culturais que transcendem o presente artigo, chegam ao ensino específico com uma preparação social e científica algo frágil para uma área que depende largamente das soft skills; por outro lado, são arrastados, por vezes, pela via mediática para áreas que não lhes oferecem perspetivas de futuro a curto e a médio prazo, sendo aliciados para cursos cujo perfil de saída corresponde a funções para profissionais com experiência efetiva e não em início de carreira.

Em segundo lugar, é preocupante a falta de envolvimento das empresas no estudo das tendências e da evolução do turismo, assim como na determinação ativa das suas necessidades, guardando para si o know-how prático e “os segredos do negócio” longe de concorrentes, incentivando – ainda que não transversalmente – a precariedade de funções de alta rotatividade, com elevado desgaste físico e psicológico e monetariamente nem sempre compensadoras.

Em terceiro lugar, em algumas instituições, a academia paralisou no desenvolvimento de programas formativos atualizados e baseados nas reais necessidades do mercado ou, então, que opta por uma abordagem de generalização, por vezes sujeita ou dependente do perfil de formação do pessoal docente existente para o desenho dessas estruturas curriculares. No mesmo sentido, na academia verificam-se exemplos de enorme escassez de investigação, não raras vezes pelo isolamento da instituição face ao contexto do mercado envolvente ou por inércia e desorganização e mesmo por protagonismos estéreis.

Não obstante o cenário apresentado, verifica-se a existência de redes de influência institucionalizadas, que se formam em torno de empresas, polos de investigação e instituições de ensino e grupos de interesses, como uma solução integradora, mas como rampa de projeção de outras agendas.

Deste modo, muito do trabalho desenvolvido pela academia acaba por não ter aplicação prática ou uma dimensão que permita validar um trajeto de continuidade que espelhe a intenção do público e a transição das ideias em concreto. As empresas, por sua vez, sujeitas ao ritmo do mercado, às suas rotinas e à necessidade de capturar procura, deixam escapar soluções inovadoras, por desgaste da dependência da gestão do dia a dia e, em alguns casos, por limitada visão estratégica.

Felizmente, o país ainda possui um significativo número de profissionais e instituições, quer na academia, quer na área empresarial, que lideram e dignificam a área do turismo. O espelho dessa realidade é notado – mas não deve ser em exclusivo – pelos fluxos de viajantes que diariamente nos visitam.

Não se trata de derrubar o trajeto que nos foi legado, ainda que com fragilidades. É tempo de se reverem prioridades e abordagens, bem como de atualizar o ensino, nos métodos, nos processos e nos conteúdos, para que possa caminhar, de forma crescente e estruturada, para o alinhamento das necessidades e a previsão dos eventos e fenómenos futuros. É uma questão de se apostar na ação estratégica e não na reação.

O turismo é, por natureza, um setor volátil, sensível e predisposto a uma constante mutação. Não acompanhar o ritmo da mudança, é deixar prescrever, com efeitos claros e graduais a curto, médio e longo prazo, o potencial da atividade, dos seus recursos humanos, das empresas e da academia.