A declaração assinada inicialmente em abril de 2018 por 21 Estados-membros da União Europeia no sentido de criar um partenariado para desenvolvimento de serviços Blockchain intercomunitários já começou a dar frutos. Neste momento, todos os Estados-membros já fazem parte dessa parceria, ao que se juntaram a Noruega e o Lichenstein. Com o Brexit, o Reino Unido ficou de fora desta fabulosa vantagem económica potencial, saibam os estados legislar para aproveitar a mudança.
A EBSI – European Blockchain Service Infrastructure – é uma Blockchain Europeia que entra agora em funcionamento em 2021 com 36 nós, com pelo menos um em cada Estado-membro, e quatro na mão da Comissão Europeia. Também quatro são os serviços que agora arrancam, e que prometem uma autêntica revolução, primeiro nos serviços públicos e depois nos ecossistemas empresariais.
O primeiro serviço é o SSI – Self Sovereign Identity, onde cada um de nós controla a sua identificação digital; em particular, a informação que queremos, ou temos, de revelar sobre nós. A faceta mais interessante do SSI é a certificação oficial dos nossos dados de direito por uma entidade certificadora devidamente reconhecida em cada ordenamento jurídico. Com essa identificação, é possível notarizar documentos oficialmente e de forma indelével, e é esse o segundo serviço do EBSI. Com a notarização disponível, o terceiro serviço é o armazenamento oficial dos diplomas e o seu reconhecimento pelas entidades que os emitem, como por exemplo as universidades. E o quarto serviço essencial é mais generalista, tratando da troca de dados notarizados entre entidades de um qualquer ecossistema.
Como qualquer blockchain, a faceta mais importante destes serviços não vai estar no armazenamento dos dados, oficial ou não, pois isso já os sistemas actuais resolvem com eficácia, utilizando, por exemplo, assinaturas digitais. A grande vantagem, muitas vezes difícil de intuir, é a execução de funcionalidades de forma transversal ao ecossistema, naquilo que em blockchain se chamam Smart Contracts. É esta tecnologia que vai simplificar extraordinariamente todos os ecossistemas, função a função.
Porém, para que tal seja possível, esses ecossistemas têm de ser reconhecidos no contexto dos ordenamentos jurídicos, caso contrário, vai continuar a acontecer como hoje, onde os ecossistemas emergentes são sempre autocontidos e não lidam com elementos que careçam de reconhecimento jurídico. Facilmente se compreende que a evolução económica carece do reconhecimento jurídico de elementos pertencentes aos ecossistemas distribuídos suportados com blockchain, e a identificação jurídica é precisamente o primeiro elemento crítico que a EBSI vem resolver com o já referido SSI. Mas como funciona?
As blockchains guardam e executam tokens, os quais são pseudoanónimos. Como tal, por si só, os tokens nunca poderiam servir para a identificação de qualquer pessoa jurídica. A solução passa pelos identificadores descentralizados (DID) já referidos noutro artigo como solução para o RGPD, e é essa a solução correcta desenvolvida pelo EBSI.
Com os DID, a nossa identificação digital é feita em dois passos: o nosso token aponta para outro token devidamente certificado quando necessário. Tal como as nossas assinaturas digitais, as quais são geradas a partir de um certificado guardado no nosso cartão de cidadão, assim vão funcionar esses novos identificadores. Porém, em vez de o certificado gerador da nossa identificação estar guardado no cartão do cidadão, vai ser executado num token da blockchain EBSI.
Para situações que careçam de certificação, como é o caso da carta de condução, esse token é gerado com pela entidade certificadora, tal como o Instituto de Registos e Notariado, utilizando para isso a sua própria assinatura. Afinal é um processo muito simples e cujas bases já existem na legislação.
Para as situações que não careçam de certificação, o token da identificação descentralizada representa-nos digitalmente e está sempre sob o nosso total controlo. É assim que podemos revelar a informação que quisermos, a quem quisermos e durante o tempo que quisermos, o que hoje é totalmente impossível.
O problema é que não chega criar as funcionalidades para os novos ecossistemas. É preciso que a legislação as aceite para que a economia possa evoluir. Assim, da mesma maneira que a assinatura digital e os certificados digitais tradicionais foram legislados para serem aceites, o mesmo vai ter de acontecer com os SSI, em todos os ordenamentos jurídicos. O desafio está em ter essa legislação alinhada com o carácter da autoexecução ecossistémica da blockchain, o que tem sido sistematicamente ignorado até hoje, porque os SSI também vão ser autoexecutáveis em vez das actuais assinaturas digitais.
@legisladores: talvez esteja na altura de se começar a discutir o assunto?
O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.