Os Jogos Olímpicos de Inverno têm lugar na Coreia. Enquanto a do norte se dedica aos ICBM nucleares e à já chamada “diplomacia do bâton” protagonizada por beldades locais, os do sul dedicam-se, como de costume, a fazer dinheiro.

Nos anos 60, a Coreia era um país com uma sociedade tradicional, feudal até ao século XIX, uma economia desolada que subsistia da agricultura. O sul era então semelhante ao norte. Em 1974, o PIB per capita da Coreia era 562 USD, ou seja, apenas um quarto do de Portugal no mesmo ano e inferior ao do Haiti. Em 2016, o PIB sul-coreano crescera para 27.500 USD, ou seja, quase vez e meia maior que o de Portugal e ligeiramente superior ao de Espanha (dados do Banco Mundial e OCDE). Como foi possível?

Segundo Hwy-Chang Moon, professor na Universidade de Seul, alguns dos fatores do sucesso da Coreia são semelhantes aos dos outros “tigres asiáticos” (Singapura, Taiwan e Japão), enquanto vários são específicos: agilidade (velocidade e precisão); Guerra da Coreia (tecnologia e gestão militar dos EUA, serviço militar obrigatório); benchmarking (aprender com as melhores práticas, mas só as melhores); convergência (mix e criação de sinergias com origem no Japão, EUA, Europa e algumas coisas coreanas); dedicação (diligência e orientação para objetivos, necessidades militares, económicas e políticas).

Um estudo de Kwan S. Kim para o Kellogg Institute analisou o “milagre coreano” de 1962 a 1980. Assinala que, embora haja fatores endógenos não replicáveis por outros países, o sucesso coreano teve por base fatores que podem ser emulados por outros. Alguns tópicos: complementaridade de modo a reforçar a eficiência económica como um todo; reestruturação industrial e agrícola de modo a criar vantagens comparativas em indústrias de elevado valor acrescentado e de escalabilidade potencial; experimentação; estratégias de industrialização cuidadosas e postas em prática com eficácia que colocaram “todo o processo de desenvolvimento em movimento”.

A experiência coreana exemplifica um processo contínuo de interação entre o governo e o mercado. O governo assumiu um papel não ideológico e continuado de direção das atividades económicas e desenvolveu políticas incentivando processos de gestão flexíveis. As características principais dos gestores coreanos são o pragmatismo e a execução eficaz, de acordo com Kim. A economia tem sido dominada pelos Chaebol, conglomerados familiares, com um CEO exercendo forte liderança, de estrutura vertical (o que pode conduzir a crescimento desequilibrado) e financiamento sustentado por crédito bancário. Apesar do sucesso, os críticos apontam várias debilidades ao Chaebol: compadrios, corrupção e insustentabilidade.

E também a educação. Os coreanos são os melhores a matemática, segundo o PISA. O investimento em educação da Coreia é superior a seis por cento do PIB, mais do que a média da OCDE. Em Portugal é inferior a quatro por cento. O investimento em investigação e desenvolvimento da Coreia é superior a quatro por cento do PIB, enquanto em Portugal é apenas um pouco mais de um por cento.

Portugal não tem uma “estratégia nacional clara, abrangente e partilhada” capaz de orientar as decisões das instituições de ensino, segundo a OCDE. Esta afirmação poderia ser estendida, a meu ver, a toda a economia: não há estratégia, não há orientação que coloque “todo o processo de desenvolvimento em movimento”. É confuso em que é que somos melhores, quais as atividades com maior potencial de complementaridade e escalabilidade.

A observação da OCDE poderia ser estendida à ausência de pragmatismo na adequação à economia de todo o sistema de sistema de ensino, desde a pré-primária. Todavia, é preciso erradicar a ideia errada de que a academia tem de responder, num ápice, às necessidades imediatas da economia. Não é esse o caminho. É preciso saber antecipar quais vão ser no futuro as competências necessárias às atividades económicas e adequar o ensino à previsão. E esse estudo, essa recomendação, esse movimento não pode vir só da academia nem dos Ministérios da Educação ou da Ciência.

Segundo a OCDE, os países devem estabelecer um enquadramento conceptual de ensino que seja relevante para 2030. São necessárias competências para moldar o futuro, e não ficar à espera que seja o futuro a moldar-nos e termos de aceitar escolhas feitas por outros. Os países devem, individual e colectivamente, explorar quais podem ser os objetivos do ensino que ainda não são medidos mas que são críticos para navegar no tempo, espaço social e formatar o respetivo futuro.

Portugal precisa de investir em ciência e ensino superior a um nível “que nunca atingiu até agora” se quiser cumprir com os seus compromissos europeus de convergência no setor, diz também a OCDE de acordo com o rascunho do relatório encomendado pelo Governo, a que o Público e o Diário de Notícias tiveram acesso. O investimento público teria que crescer para quase o dobro ao longo dos próximos 12 anos. O esforço pedido às empresas é ainda maior: devem canalizar quatro vezes mais recursos para o setor.

O registo de patentes portuguesas continua abaixo da média da OCDE. O apoio direto do Estado a projetos inovadores deve ser mais sistematizado, diz a aquela organização. Na minha opinião, o apoio do Estado deveria ser obrigatoriamente subordinado ao estabelecimento  de parcerias com universidades e seus centros de investigação. Não apenas no que respeita ao apoio direto mas também indireto, como o de Portugal Ventures (que parece ter fascínio em promover aquilo que o Financial Times designava há anos como tecno-turismo de startups a Silicon Valley). É preciso, em particular, apoiar a inovação nas empresas que já existem, resilientes, com provas dadas, com capacidade para escalar.

Para colocar “todo o processo de desenvolvimento em movimento” é preciso seguir e, permito-me sugerir, ampliar o conselho da OCDE para a criação de um grupo interministerial que envolva os ministros da Ciência, Tecnologia e do Ensino Superior, da Educação, da Economia e das Finanças. Também deverá ser solicitada a contribuição de académicos, de líderes empresariais e instituições empresariais de reconhecido mérito. Com transparência e participação da opinião pública. Objetivo: desenhar uma estratégia economia-academia, nacional, coordenada, pragmática, não ideológica para obtermos resultados depressa e bem. Recorde-se: as previsões de crescimento económico em anos próximos não são boas. Não podemos perder tempo.