O mar é reiteradamente considerado um dos grandes desígnios nacionais, com um enormíssimo potencial por explorar. Os países mais ricos são os que têm recursos naturais abundantes, mas acima de tudo que os aproveitam e Portugal tem sem dúvida um filão inexplorado ao nível do mar. Fazem-se estudos, relatórios, estratégias e planos, programas e ações visando potenciar o mar enquanto fator de desenvolvimento socioeconómico, mas há um consenso geral quanto ao subaproveitamento das virtualidades do mar português, ainda que muitos e valorosos esforços tenham sido feitos para dinamizar os nossos recursos marítimos e costeiros.

É certo que o mar continua a ser um dos grandes atrativos do país, principalmente traduzido pela contínua aposta nas pescas, pelo desenvolvimento significativo do setor portuário comercial e turístico e pelo facto de os desportos náuticos, com o surf à cabeça, serem hoje atividades economicamente atrativas. Ainda assim, apesar de a economia do mar representar hoje cerca de 3% do PIB português, o potencial daquela que é a 3.ª maior zona económica exclusiva da União Europeia e a 11.ª do mundo continua a estar muito longe de ser explorado na sua plenitude, traduzindo-se em emprego, indústria e desenvolvimento tecnológico.

É de louvar a atitude deste Governo, que colocou o foco no desenvolvimento do setor, incluindo a criação de um Ministério dedicado, que muito tem feito por forma a efetivamente definir uma estratégia e um plano de ação de longo prazo para modernizar e dinamizar a economia do mar, nomeadamente as atividades tradicionais de grande relevância, como a pesca, o turismo, os transportes marítimos, a construção e a reparação naval, entre outras. Estratégia essa que permite, em simultâneo, promover o crescimento de novas atividades de grande valor acrescentado, que podem ter relevância substancial para o país, como a construção de eólicas offshore, a exploração energética das ondas e marés, a aquacultura, o aproveitamento das embarcações a GNL, a biotecnologia, a produção de algas ou o desenvolvimento de tecnologias marítimas.

Não tenho dúvidas de que este é o caminho a seguir e de que o Governo, em particular a Sra. Ministra do Mar, parece verdadeiramente empenhado em promover a emergência deste setor de recursos naturais nacionais. Acima de tudo, não podemos perder o comboio europeu e mundial, tendo nós condições extraordinárias para criar um verdadeiro cluster nacional tecnológico e industrial, potenciando a criação de valor e a geração de postos de trabalho, como outras congéneres europeias estão a fazer com grande sucesso.

Seria uma oportunidade perdida para o país se essa vontade política não tivesse consequências positivas significativas. Até porque Portugal reúne condições para mudar o paradigma da fileira, como fez noutros setores como os têxteis, o calçado, a metalomecânica ou os moldes. Ao nível da economia do mar, temos uma longa tradição empresarial, novas empresas com know-how altamente especializado, investigação científica de excelência, capacidade de inovação e ecossistemas de empreendedorismo.

A recente notícia da criação do anunciado Fundo Azul, com uma dotação inicial de 13,6 milhões de euros, que irá financiar startups de base tecnológica a operar no cluster marítimo, é desde já um excelente passo para financiar e dinamizar projetos que envolvam investigação, desenvolvimento e inovação – atividades que, como sabemos, são de longo prazo e exigem investimentos consideráveis.

Talvez fosse conveniente complementar este mecanismo com outras fontes de financiamento, nomeadamente capital de risco e linhas de crédito, por forma a financiar projetos baseados no conhecimento, com grande intensidade de tecnologia e inovação. Para este tipo de projetos, o desenho do sistema de incentivos deve ser mais ambicioso. Este é um dos poucos setores nacionais em que a matéria-prima é nossa, não necessitamos de terceiros e de importações para o explorar. Portugal pode afirmar-se e competir com qualquer empresa do mundo, aproveitando os seus próprios recursos naturais. No entanto, apesar de sermos dos países que mais peixe consome per capita, a maior parte é importado e de aquacultura!

Porque não aliamos a tradicional indústria metalomecânica e de construção naval às renováveis oceânicas, à aquacultura offshore, às tecnologias emergentes, reconvertendo ou dinamizando as infraestruturas portuárias existentes, atraindo e apoiando empresas portuguesas que se mostrem interessadas e competentes para nelas investir, potenciando novos clusters industriais? Não basta a estratégia e a vontade, é preciso ação e conjugação entre o setor privado e a estratégia pública para que este não seja um desígnio continuamente difundido, mas sim aproveitado.

Se conquistámos o mundo há séculos, fruto da nossa audácia e empreendedorismo, devemos entender hoje que podemos estar novamente na linha da frente, ter ambição e iniciar uma nova época dos Descobrimentos, explorando neste caso o nosso próprio mar e os nossos próprios recursos.