A provável eleição de Bolsonaro, como presidente do Brasil, tem raízes em todos os partidos que governaram desde Tancredo. Tem uma ligação direta com a corrupção e com a desconsideração, uma leitura elitista, de todas as partes, sobre o que interessava na política.

Não foi a governação do PT, cheia de casos que se iniciaram com Dirceu, a responsável pelo que vem sucedendo; não foi a governação de Temer, com a prisão de Cunha, que concedeu a sensação de fim último desta República. Foram todos os tempos, de Sarney a Fernando Henrique, de Lula a Dilma.

Acontece que esta eleição, que não é só para a chefia da Federação de Estados, mas também para governadores, senadores e deputados, assume uma outra realidade que interessa avaliar. Ela, essa realidade, está na presença avassaladora das igrejas evangélicas nos territórios de governação, está no peso da Igreja Universal do Reino de Deus enquanto marca de “culto” vitorioso deste novo tempo da vida brasileira.

Quando Marcelo Crivella, bispo da IURD, canta na Câmara dos Deputados a famosa música evangélica “Perfume Universal”, o que se vê, no hemiciclo, é uma imensa presença de religiosos evangélicos em interação com ele. Hoje, depois destas últimas eleições, as bancadas de Crivella ampliaram-se de forma imprevisível há poucos meses, passando a ser determinantes para a formação de qualquer governo.

Para os europeus, mesmo os que não são crentes, mas formatados pela presença da Igreja Católica, esta circunstância é um grave problema. Não o cremos. Em boa verdade, quando olhamos a diferença entre as investiduras de Aznar ou Rajoy e de Zapatero ou Sánchez, o que está a mais é o crucifixo enquanto matriz de uma leitura da vida e do mundo, uma assunção da ligação irreversível a Roma de um poder temporal. E quando assumimos, em tratado internacional, concordatas entre Roma e as capitais de estados independentes, o que estamos a considerar é uma primazia de relação que este tempo do “estado laico” deveria começar a eliminar.

Roma assume, pois, uma determinação subliminar, uma normalidade simbólica que faz desgraduar a presença de outras igrejas, de outras confissões, nos poderes públicos pelo mundo fora.

Não temos qualquer simpatia pela Igreja Universal do Reino de Deus. Mas o nosso preconceito não deve limitar a análise. A IURD tem mais de seis milhões de fiéis no Brasil e, pelas contas da sua organização, mais uns tantos fora do seu país de nascimento. A sua estrutura é a que mais se assemelha à da Igreja Católica, com pastores, bispos e o bispo central, Macedo.

A pastoral tem os seus encantos. Pelas músicas, pelas excentricidades da presença dos que foram salvos por Senhor, pelas leituras descomplexas que da Bíblia são retiradas. E se uma igreja destas, legal em terras de Vera Cruz como em Portugal, poderemos dizer muitas coisas, a única que não poderemos negar é que tem vindo a crescer como nenhuma outra.

O que faz com que a atração da IURD seja tão emocionante? O que leva a que milhões se revelem na “dízima” e se limitem na visão do seu “eu”? Um olhar histórico sobre outras religiões diz-nos que os novos movimentos assumem uma atração imensa por parte dos desesperados e dos desesperançados, que o fruto proibido é, sempre, o mais apetecido.

A TV Globo fez, durante décadas, um ataque cerrado à IURD, o que resultou no aumento da sua importância mediática e política. A TV Record é hoje uma base central para a afirmação dos evangélicos “macedistas” e a sua rede alastra pelo continente sul-americano. Nunca é bom princípio marrar contra movimentos desprovidos de racionalidade, foi o que aconteceu com a Globo perante os “filhos” de Macedo.

Esse marrar regressou agora com o movimento #EleNão. Para os desmiolados que iniciaram esse protesto o sentido é bem comum: vamos ajudar a eleger Bolsonaro para termos mais terreno na construção da nossa luta e reformatação da sociedade. Outros, ingénuos, entraram na coisa porque o “rapaz” disse umas barbaridades ao longo da sua vida política.

O #EleNão foi uma grande ajuda para o resultado que se verificou. Toda a ação política baseada numa rejeição a alguém tem sempre um efeito contrário a prazo. No Brasil esse efeito foi mais rápido.

O #EleNão já não é de hoje. Também com Edir Macedo, o fundador da IURD, o caminho foi sendo o de abater. Fulaninho saiu sempre mais forte, mais rico e com mais fiéis.

O Brasil é uma imensidão. A maioria da população é negra. Mas os negros não são mais de 10% dos eleitos. Foi assim com o PSDB, foi assim com o PT, foi sempre assim com o PMDB. É por isso que, mal por mal, não tendo representação alguma, uma parte enorme dos negros votaram em Bolsonaro, nos seus dois filhos e nos candidatos que ele apoiou. Ninguém se queixe, a IURD e Bolsonaro são filhos bastardos dos donos deste país imenso que é mais do que um continente.