No texto anterior deixei em aberto a questão sobre o impacto da eleição directa de um candidato independente. Em nosso entender, um candidato independente que vencesse as eleições angolanas teria toda a legitimidade de implementar o seu programa de governo. No entanto, precisaria de contar com o apoio dos partidos representados no parlamento, nomeadamente para aprovar o Orçamento Geral de Estado e outras iniciativas político-legislativas.
Para conseguir uma base de apoio partidário no parlamento, o candidato independente escolhido pelo povo teria, necessariamente, que negociar com os partidos para superar um eventual bloqueio político-institucional.
Assim, o Presidente irá, certamente, distribuir os cargos ministeriais, na administração pública e nas empresas públicas para os partidos, à semelhança do presidencialismo de coalizão brasileiro. No caso brasileiro, nenhum partido que suporta o Presidente consegue ter a maioria parlamentar, sendo, por conseguinte, controlado pelo centrão.
Devemos, por isso, estar cientes que o programa de governo do candidato independente poderia não ser implementado, o que poderia gerar a frustração dos eleitores contra o sistema político. É, assim, que o cientista político italiano Gianfranco Pasquino nos alerta para o facto de um presidente sem uma maioria parlamentar compor quase sempre um governo paralisado. Sendo facilmente capturado pelos partidos que passariam a ter o controlo do sistema político e da agenda política.
A única forma de superar essa paralisia governamental, no quadro constitucional angolano, seria através da demissão do Presidente para provocar novas eleições-gerais. Assim, o presidencialismo angolano aproximar-se-ia de um sistema parlamentar, que é marcado pela instabilidade governativa, semelhante ao de Israel, onde o primeiro-ministro eleito tinha o poder de auto-demissão, provocando, assim, a realização de novas eleições. Removeu-se, por isso, o mecanismo de auto-demissão do sistema político de Israel para se reduzir o grau de instabilidade governativa.
A bem da verdade, o actual sistema de governo angolano comporta, em si, o risco de paralisia decisória, se o Presidente não tiver uma maioria parlamentar.
Esta reflexão aqui desenvolvida assenta no pressuposto de que na realidade angolana se mantém um sistema de governo presidencialista, com as actuais características, o que não é uma garantia per se. Porquanto não existe uma relação entre a eleição directa e a forma de governo, conforme explicado no texto anterior.
Assim sendo, a sociedade civil angolana e os referidos partidos não devem considerar que alterar a forma de eleição do Presidente angolano é uma mera alteração constitucional. Portanto, a elaboração de estudos sobre o impacto dessa alteração e das possíveis mutações no próprio sistema de governo seria muito relevante.
O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.