Os resultados eleitorais de 18 de maio, falam por si. Não será necessário fazer grandes elucubrações sobre o seu significado: uma mudança radical da situação política portuguesa, com consequências que se irão desenvolver e aprofundar nos próximos tempos.

No entanto, ouvindo ou lendo os principais interlocutores políticos, comentadores e comunicação social, não é claro que exista uma real consciência do que está em causa e, muito menos, do que estará na origem da mudança de qualidade que se produziu na sociedade portuguesa e que se expressou numa nova relação de forças político-partidárias.

A posição simplista dominante, justifica o resultado como sendo a consequência de uma viragem à direita da sociedade portuguesa, que poderá ser explicada pela ignorância, influência das redes sociais, vulnerabilidade à demagogia, ou simples voto de protesto. A posição mais sofisticada põe a tónica na reação dos eleitores a eleições que não queriam e que consideram desproporcionadas face aos motivos que lhe deram origem.

Sem pôr em causa que tudo isto possa ter contribuído para o desfecho da noite eleitoral, parece-nos que as razões são mais profundas e radicam em processos de transformação estrutural que estão em curso nas chamadas economias ocidentais e, em particular, na Europa, que tiveram início no final dos anos 80 do século passado, com a afirmação de um novo modelo de economia global, e que se aceleraram na sequência da crise económica e financeira internacional de 2008-2009. E cujos efeitos políticos e sociais estão a chegar em força a Portugal, com o atraso que é normal nestes processos cujo epicentro se situa nas economias mais desenvolvidas.

O que está a produzir-se, não será uma simples mudança de orientação política por parte dos eleitores — que, efetivamente, se verifica —, mas um desajustamento crescente entre as propostas e os projetos das forças políticas tradicionais e as aspirações e sentimentos dos diferentes estratos sociais, em particular das chamadas classes médias e das gerações mais jovens, que se viram crescentemente afetadas e restringidas nas suas possibilidades de valorização económica e social pela globalização. No caso europeu, é de destacar, em particular, os efeitos das políticas orçamentais restritivas — que afetaram sobretudo os países mais fracos, como Portugal —, que aprofundaram a estagnação que se vinha a manifestar desde a viragem do século e aceleraram as transformações sociais com as manifestações na esfera política que são conhecidas.

Como enfatiza Mario Draghi num artigo recente no “Financial Times” (14.02.2025), entre 2009 e 2024, medido em euros de 2024, os Estados Unidos injetaram na economia, via défices primários, mais de cinco vezes o montante injetado na zona euro — 14 biliões de euros face a 2,5 biliões. Isto degradou a competitividade europeia e acentuou o gap tecnológico face aos seus principais competidores. Mas degradou, igualmente, as condições de vida de vários estratos sociais, favorecendo o desenvolvimento dos diversos populismos e a reorientação mais ou menos radical de preferências políticas por parte dos eleitores.

Está na altura de ultrapassar as dicotomias estáticas tradicionais de referência política e ideológica. E de repensar a intervenção política e governativa em novos moldes que procurem conciliar, de forma dinâmica e sem apriorismos, a garantia do bem estar económico e social da sociedade com o aumento dos graus de liberdade de escolha do indivíduo. É esta nova dicotomia que deverá constituir a referência das democracias liberais que queremos ver consolidadas e se afirmarem como referência, no rearranjo geoeconómico e geopolítico que se está a desenhar.