1. As eleições nos Estados Unidos da América mostram como funciona uma Democracia – e nisso constituem, até com os seus excessos, uma importante lição para o mundo inteiro. Entre muitas outras qualidades, são ainda um ótimo veículo para reciclar o espírito de panfletistas vários, entre os quais se encontram os radicais da extrema-esquerda portuguesa.
Por mim, gosto de vê-los, nas redes sociais e nos media tradicionais, a descobrirem a excelência de Biden face ao fenómeno Trump. Sei que a concessão ao interesse por estas nuances do ‘imperialismo’, dando por adquirida a alternância, só vai durar até à próxima tomada de posse do novo presidente, espero que em janeiro, na data prevista, mas admito, talvez ingenuamente, que possa ser um começo para aceitarem de vez, com honestidade, o funcionamento do poder no mundo inteiro.
Por este caminho, é admissível que possam, por exemplo, descobrir um dia aquilo que se passa na Rússia, onde Putin, depois de ter alternado com Medvedev para fintar o texto constitucional, se cansou de vez e orquestrou a mudança definitiva com um oportuno referendo que lhe permite agora conservar o poder até 2036 – e, quem sabe, morrer no Kremlin de forma natural, coisa que não é comum acontecer a alguns dos seus opositores, habituados a coisas mais originais, como morrer com tiros nas costas ou envenenados, em casa ou no estrangeiro.
E da Rússia, onde se constata que o descaramento de Putin faz parecer Trump aquilo que é, um tipo primário e intelectualmente desprezível, este nosso grupelho, poderá partir para a maravilhosa descoberta do que se passa na China, na Bielorrússia, na Venezuela, na Coreia do Norte, eu sei lá! Não haverá limites se algum dia quiserem tirar as palas dos olhos, abdicar de fontes de financiamento e, finalmente, deixarem de fingir que são pessoas sérias e políticos para serem levados a sério.
2. Ainda assim, prefiro as nossas eleições nos Açores.
Além de terem sido uma outra lição de como a cidadania tem capacidade de avaliar e optar, os Açores remetem-nos para a realidade próxima, sendo que ainda mantêm a possibilidade de comprovarmos a desonestidade da extrema-esquerda nacional. Vejam-se as várias declarações (não faço publicidade a nomes) em que se alerta para o enorme escândalo que seria um governo de direita na região, viabilizado pelo Chega.
Ou seja, para os nossos tradicionais revolucionários, reciclados de antigos totalitarismos, e aos quais se têm juntado alguns pseudointelectuais sedentos de aceitação pública em setores diversos, contumazes do abaixo-assinado, ainda há votos de primeira e de segunda – os seus e os dos outros.
Um governo da República pode ser escorado pelo PCP e pelo Bloco, que pensam o que pensam da Europa, do euro e da NATO, da propriedade e do papel do Estado, e há 40 anos cederam o cimento ideológico para o sequestro dos deputados na Assembleia da República. Mas um governo da região autónoma dos Açores não deve, hoje, formar-se pela abstenção ou voto a favor de um partido de extrema-direita, com um programa a condizer e que não é suspeito de atentar contra qualquer artigo da Constituição da República que tem todo o direito a querer rever.
Esta intolerância, de resto, é estúpida. Se muitos portugueses estão a fazer quartel-general no Chega isso muito se deve ao facto de outros partidos, anestesiados pela proximidade ao poder e às modas fraturantes, se mostrarem surdos aos anseios de uma vida mais segura nas ruas de Portugal e a um verdadeiro combate à corrupção. São esses partidos que fazem crescer o Chega. E ainda não sabemos quanto.