Os recentes resultados das eleições na Alemanha evidenciam um avanço preocupante da extrema-direita, particularmente na antiga Alemanha Oriental. Enquanto no Ocidente a Alternativa para a Alemanha (AfD) continua a ser uma força marginal, no Leste tornou-se uma potência política, liderando intenções de voto em alguns estados e consolidando a sua influência. Mas a que se deve esse desvio para o radicalismo de forma tão acentuada no Leste?  Será uma questão puramente ideológica, ou há fatores económicos estruturais que alimentam esta tendência?

Trinta e cinco anos após a reunificação, a Alemanha Oriental ainda luta para alcançar o nível de desenvolvimento da Ocidental. Embora Berlim tenha injetado centenas de biliões de euros para modernizar a infraestrutura e integrar economicamente as regiões orientais, a realidade é que as disparidades persistem.

Há pouco mais de 15 anos, trabalhei diariamente com alemães em duas cidades do Ocidente e era notório a forma diferenciada (potencialmente discriminatória) com que se referiam aos colegas da Alemanha de Leste. O sentimento passado era de que os mesmos seriam menos competentes e certamente menos sofisticados.

Será por isso que os salários no Leste continuam significativamente mais baixos? Persistirá uma perceção de inferioridade dos quadros vindos do Este? Em média, os trabalhadores orientais ganham cerca de 15% menos do que os seus compatriotas ocidentais. O desemprego também é historicamente mais alto.

Como tal, jovens qualificados e ambiciosos tendem a migrar para o Ocidente em busca de melhores oportunidades, deixando para trás uma população envelhecida e mais desconfiada em relação à globalização e às mudanças sociais. Esse ciclo reforça a sensação de estagnação e frustração que muitos eleitores sentem.

Para muitos alemães orientais, a reunificação, que prometia prosperidade e igualdade, não trouxe os resultados esperados. O choque económico da década de 1990 gerou uma desconfiança profunda em relação às elites políticas e económicas da Alemanha Ocidental. Até hoje, essa desconfiança reflete-se em altos níveis de ceticismo em relação aos partidos tradicionais e às instituições governamentais, um terreno fértil para o crescimento de partidos populistas e extremistas.

Muitos argumentam que o apoio à extrema-direita no Leste é impulsionado pelo aumento da imigração e, de facto, a AfD tem explorado esse tema com grande eficácia. No entanto, é importante notar que, paradoxalmente, a Alemanha Oriental tem uma população imigrante muito menor do que a Ocidental. O que está em jogo não é a perceção de que as políticas governamentais priorizam a imigração em detrimento da população local.

Para um eleitor oriental que se sente economicamente esquecido há décadas, ver biliões de euros alocados a programas de integração de refugiados pode parecer mais um sinal de que o governo se preocupa pouco com os seus problemas.

Há também um argumento ideológico a considerar. Durante décadas, a Alemanha Oriental viveu sob dois regimes totalitários – o regime nazi seguido pelo regime comunista autoritário, que promoviam uma visão nacionalista e enfatizavam uma identidade cultural homogénea. É difícil empatizar em como esse histórico possa ter deixado um legado de resistência a valores liberais, tornando o eleitorado oriental mais recetivo a discursos nacionalistas.

O crescimento da extrema-direita na Alemanha Oriental não pode ser explicado por um único fator. A combinação de frustração económica, desilusão política e um senso de identidade ameaçada tem sido instrumental para o fortalecimento da extrema-direita. Para conter essa ascensão, não basta apenas combater discursos xenófobos; é fundamental reduzir as desigualdades regionais, criar oportunidades económicas reais e restaurar a confiança dos cidadãos no sistema político.

Se a Alemanha quiser evitar uma polarização ainda maior, precisa de encontrar formas de construir pontes entre o leste e o ocidente – e isso passa necessariamente por um novo olhar sobre a economia e a identidade nacional.

Esperemos que possam encontrar um caminho bem-sucedido nesse sentido, pois serão lições que poderão servir para outros países, incluindo Portugal.