Antes de se queixarem do desinteresse dos cidadãos pela política, os políticos deviam preocupar-se em fazer da política uma coisa interessante. É que, nesta vida, há causas e consequências, e raramente as consequências desaparecem antes de se eliminarem as causas. É uma maçada, mas poucos problemas se resolvem por si. Alguém tem de fazer alguma coisa.

Vem isto a respeito do extraordinário anúncio, feito pelo Governo, de que vai proibir a realização de jogos de futebol em dia de eleições. Desconhecem-se os contornos concretos da medida legislativa, sobre a qual o próprio Governo parece ter algumas dúvidas, mas admite-se que pode envolver outros eventos desportivos. Sabe-se ainda que este ato de coragem – já que implica enfrentar o lóbi do futebol – fica desde já adiado para depois das eleições autárquicas. Também foi dito que tão significativo desiderato deverá ser alcançado através da alteração do regime jurídico das federações desportivas.

Não parece, contudo, que a coisa seja assim tão linear. Num Estado de Direito, proibir o que quer que seja – uma manifestação, um evento, uma associação, um livro ─ nunca é uma questão de somenos importância. Em democracia, a liberdade não precisa de se justificar e assume múltiplas declinações. Pelo contrário, a proibição deve ser pontual e carece de uma fundamentação inequívoca.

Em concreto, as federações desportivas e as ligas de clubes são uma modalidade particular de associações e estas, nos termos da Constituição, “prosseguem livremente os seus fins, sem interferência das autoridades públicas”.

É claro que, cumpridos uns quantos parâmetros que a própria Constituição estabelece, o legislador pode restringir esta liberdade que as associações têm para prosseguirem as suas atividades em sossego. Mas, nesse caso, o Governo não pode tomar a decisão sozinho. É necessária uma lei da Assembleia da República ou, pelo menos, que esta autorize expressamente o Governo a restringir. Sobretudo, qualquer restrição proposta só será admissível se existir um objetivo suficientemente forte para a justificar no plano constitucional e, depois, se a medida em concreto escolhida pelo legislador tiver real capacidade para alcançar esse objetivo.

Ora, se o reforço da participação dos cidadãos nos atos eleitorais é um objetivo constitucionalmente válido, já a medida de proibir os jogos de futebol parece não ter qualquer capacidade real para alcançar esse objetivo. Desde logo porque votar e ver um jogo não constitui dilema algum. E, por outro lado, o jogo é apenas um fator de distração, a par de muitos outros que continuam acessíveis. Sendo assim, proíbe-se para nada, restringe-se uma liberdade básica sem qualquer proveito. Portanto, a Constituição não permite. Lamento.

Para garantir algum reforço da participação dos cidadãos seria necessário alargar a proibição a todos os eventos desportivos e até culturais. Suspender os saldos ou mesmo encerrar os centros comerciais. Decretar que a programação televisiva deve ser o mais secante possível ─ o que, aliás, não implicaria grande esforço ─ e que a rádio tem que passar consecutivamente óperas de Wagner. No verão, há que hastear bandeira vermelha em todas as praias. Lançar um imposto sobre as viagens para o estrangeiro. Proibir a venda de pipocas e farturas nas feiras.

Enfim, eliminar tudo o que possa desviar a escassa e pouco criteriosa atenção dos eleitores da grande importância do ato eleitoral, bem como das excelsas personalidades que se apresentam a votos. Tudo de modo a que ir às urnas se torne, em face das opções disponíveis, um mega programão de domingo. Uma ilha de fervor democrático, cercada por um imenso mar de tédio.

Há muitos anos que assistimos a uma competição entre política e futebol pela atenção das pessoas, com clara vantagem para o futebol – que já reduziu ou denominados canais de notícias a canais de desporto (único). Alguns políticos enciumados, na mira de ganhar notoriedade, passaram-se para o outro lado. Vários personagens do futebol tentaram a sua sorte na política e alguns conseguiram, à sua medida, singrar em tal vida. Não parece, contudo, que a política consiga ganhar esta competição por decreto. Nem mesmo decretando que o dia das eleições tem de ser o dia mais enfadonho do ano.