Num mundo marcado por desigualdades crescentes e pela concentração do poder económico, é mais importante do que nunca saber quem manda, onde e como. Continuar a estudar as elites económicas é mais que um exercício académico e científico — é uma necessidade pública fundamental. Mapear a circulação dos mesmos rostos entre grandes empresas, reguladores e governos ajuda a detetar conflitos de interesses, denunciar possíveis capturas do Estado e a proteger o bem comum.
Conhecer estes percursos é essencial para perceber quem influencia as grandes decisões e com que legitimidade o faz. Compreender as estratégias, alianças e formas de reprodução das elites é decisivo para defender a democracia, reforçar a transparência e abrir caminho a sociedades mais justas.
Quem são, onde estão e como se formam os rostos do poder económico? Esta é a ambiciosa questão que orienta o World Elite Database (WED), um projeto internacional que, pela primeira vez, traça um retrato sistemático das elites económicas em 16 países, representando mais de metade do PIB mundial e um terço da população global, incluindo economias como os Estados Unidos, a China, Reino Unido, França, Alemanha, Suíça e também Portugal. Com um olhar cruzado entre economias centrais e periféricas, democracias consolidadas e regimes autoritários, o WED propõe uma nova gramática para compreender quem detém o comando da riqueza e da regulação económica.
Uma iniciativa global sem precedentes
Criado em 2022 por um consórcio de mais de 70 investigadores de várias universidades consagradas mundialmente e do qual o ISCTE faz parte, o WED nasce de uma lacuna antiga nas ciências sociais: a dificuldade em comparar elites entre países devido a diferenças conceptuais, culturais e fontes de informação fragmentadas. A solução proposta é inovadora e clara — estabelecer critérios comuns para identificar as figuras centrais do poder económico, recolher dados públicos, padronizar e permitir análises comparativas robustas.
O ponto de partida teórico-conceptual radica na definição de três formas de poder económico: o poder organizacional (controlo e administração de grandes empresas), o poder de mercado (grandes fortunas) e o poder de regulação (figuras influentes na definição de regras e políticas económicas). Portugal, tal como os restantes países participantes, contribuiu com uma equipa nacional que identificou, para o ano de 2020, os indivíduos mais relevantes segundo estes critérios. Para o poder organizacional foram considerados o CEO e/ou Chairman das empresas cotadas em bolsa (PSI) e outras grandes empresas em volume de faturação e número de trabalhadores.
Os detentores das grandes fortunas foram identificados a partir das listas de ricos publicadas anualmente, com respetivo valor estimado de fortuna, considerando apenas os bilionários (em dólares americanos). Relativamente ao poder de regulação, foram considerados os políticos eleitos e burocratas de topo (ministérios e banco central), grupos de interesse (Confederações e associações económicas e industriais) e intermediários chave (como empresas de advocacia ou consultoras estratégicas).
Baseando-se na problemática das desigualdades sociais, a abordagem adotada pelo WED parte de uma perspetiva posicional das elites, ancorada na teoria dos campos de poder e na sociologia relacional. O projeto procura compreender as elites não apenas como grupos estatísticos, mas como redes que ocupam posições estratégicas de poder nas economias à escala mundial.
Retrato das elites em Portugal
Os dados são claros. As elites económicas são maioritariamente masculinas. Em Portugal foram listadas 8 mulheres (cerca de 11%) e apenas 3 se encontram no topo das grandes empresas. Nos 16 países, metade das elites têm pelo menos 55 anos, formação académica elevada (sobretudo em gestão, economia ou engenharia) e na sua maioria são naturais do país onde se encontram. Em Portugal, a elite económica é composta por 74 indivíduos com poder económico relevante.
Relativamente ao nível educacional, as elites económicas, de forma geral, detêm graus de Ensino Superior. Portugal, apresenta elites muito qualificadas, onde 94% tem pelo menos uma licenciatura, onde alguns indivíduos apresentam formação obtida em prestigiadas instituições internacionais. A presença de doutorados entre as elites portuguesas é de apenas 9%, valor baixo quando comparado com a Alemanha (36%), Polónia (27%) ou China (27%). Verifica-se que as áreas de formação mais presentes são a Gestão (52%) e Engenharias diversas (27%). Portugal é um dos dois países que não apresenta elites formadas na área de Humanidades (excluindo o Direito), algo que, por exemplo, no Reino Unido chega aos 13%.
Figura# – Distribuição do nível educacional mais elevado (ordenado por presença de doutorados)
Figura # – Distribuição das áreas nos graus de formação obtidos pelas elites portuguesas*
*Considerada formação a tempo inteiro e incluindo os diferentes graus de formação
Apesar da sua relativa pequena dimensão, quando comparada com outros países, a elite económica portuguesa reflete tendências globais: menor presença de mulheres, predominância de formação superior em áreas como gestão ou engenharia, e um peso significativo de indivíduos oriundos da capital ou de centros urbanos principais.
Uma elite nacional num mundo globalizado
Contrariando a ideia de um capitalismo global homogéneo, o WED mostra que as elites continuam marcadamente nacionais nas suas trajetórias. A esmagadora maioria nasceu e estudou no próprio país, mesmo nos casos em que operam em mercados transnacionais. A exceção reside em países como o Reino Unido, Suíça, Chile ou Estados Unidos, cuja centralidade económica atrai uma proporção significativa de elites estrangeiras.
Portugal apresenta um padrão intermédio: elites locais, maioritariamente com formação nacional e pouca diversidade de género ou origem. Os dados sugerem que, apesar de avanços formais em políticas de igualdade, o acesso ao topo continua profundamente marcado por desigualdades estruturais.
Ao nível global, o WED mostra que as diferenças entre elites não se reduzem a modelos clássicos de capitalismo (liberal, coordenado, periférico, entre outros). Por exemplo, a China apresenta uma elite jovem mas altamente masculina e endógena, enquanto os Estados Unidos têm uma elite envelhecida mas internacionalizada. A estrutura educacional das elites também varia: países como Alemanha e Polónia destacam-se pelo elevado número de doutorados, enquanto no Reino Unido, Itália e Argentina o grau de licenciatura é predominante.
E o que vem a seguir?
O WED prepara agora uma nova fase de recolha, prevista para o final de 2025, o que permitirá a inclusão de novos países. Os objetivos passam por aumentar o grupo de países, englobando países importantes na economia mundial e permitir análises temporais que revelem dinâmicas de mobilidade, renovação ou reprodução das elites. Para o caso de Portugal, esta continuidade representa uma oportunidade para aprofundar o conhecimento sobre quem influencia as grandes decisões económicas e como se estruturam as relações de poder entre Estado, empresas e finanças.
No contexto português, a continuidade da investigação irá contribuir para uma compreensão mais fina da articulação entre elites económicas, políticas e mediáticas, bem como para debates públicos sobre as desigualdades, a meritocracia, a justiça social e o desenvolvimento do país. Em última análise, conhecer quem detém o poder económico é um passo essencial para pensar alternativas mais democráticas e inclusivas.
Entre os caminhos futuros deste projeto internacional, destaca-se a intenção de investigar a mobilidade intergeracional, o papel das mulheres e minorias nas elites, bem como as redes transnacionais de poder económico. A ambição é não apenas cartografar os perfis das elites, mas compreender as suas estratégias, legitimidades e modos de reprodução num capitalismo global em transformação.
Para mais informações consulte o site deste projeto internacional (aqui) e a sua mais recente publicação (aqui)