Tal como o Tiago, hesitei em escrever esta crónica num tom pessoal mas concluí que seria uma “irresponsabilidade” não fazê-lo. Porém, a minha justificação é diferente: não posso concordar com a imagem injusta que o artigo do Expresso traça da Maternidade. Fiquei com uma enorme gratidão pela dedicação com que fomos recebidos pela generalidade do pessoal e pelo facto de o Estado, apesar das óbvias dificuldades orçamentais, conseguir manter aquele serviço público de excelência.
Roubando a eloquência do artigo do meu colega, “vamos por partes”. O jornalista começa por mostrar-se desgostoso por ter sido chamado de “acompanhante” pelos profissionais de saúde da MAC, algo que seria pouco digno. Quando ali entrei de madrugada e me chamaram com essa expressão, confesso que a achei bem pensada. Afinal de contas, eles ainda não tinham os dados de quem iria acompanhar a mãe e imagine-se o que seria chamarem “pai” a uma mulher homossexual que estaria ali a acompanhar a sua companheira, ou uma avó que ficaria a acompanhar o nascimento do neto, ao lado da filha. Depois de passar pela porta das urgências e de constatarem que eu era um ser de barba e tinha um cartão de cidadão com o género masculino, toda a gente passou a chamar-me de pai.
Depois, nunca ouvi a expressão “parir” dos profissionais de saúde da MAC – algo que chocou aquele experiente jornalista. Mas, mesmo que a tivesse ouvido, não me escandalizaria mais do que se tivesse ouvido a expressão “dar à luz”, a que Tiago assume como preferida. Ter um filho é, na essência, algo profundamente animalesco, e “dar à luz” parece-me um eufemismo proto-evangélico algo descabido. Porventura Tiago também preferirá que os médicos digam “pica” em vez de injeção, mas por mim são dispensáveis estes adornos linguísticos.
A crónica do Expresso revela ainda um desagrado profundo por haver apenas uma cama e uma cadeira na sala de parto, por o pai não ter direito a água ou refeições. Não sei se o Tiago o fez, mas a MAC possibilita visitas à Maternidade antes de se ter o filho. Poderia ter optado por outro hospital público, se não tivesse gostado das instalações. Poderia ter ido para o privado, onde há camas e refeições para os pais mas os partos de cesariana chegam a custar 5000 euros.
Não sei se o Tiago teve oportunidade, mas há cursos de preparação para o parto ministrados na MAC onde nos explicam de antemão o que vai acontecer, e em que condições. Foi aí que nos elucidaram que a Maternidade tem recursos financeiros apertados e que, como têm de fazer escolhas, preferem gastá-los em medicamentos e essas coisas, em vez de refeições e camas para os pais. Também nos disseram que não é muito bom o acompanhante degustar refeições ao lado da mulher, porque ela está a soro, sem comer, e podemos estar a causar uma inveja dispensável num momento emocional delicado. Foi aí que nos explicaram que seria melhor trazer uns snacks de casa, ou ir à máquina, para comermos longe da vista da mãe.
Nós fizemos o curso, fizemos a visita e fizemos a opção: a maternidade pode não ter as melhores condições materiais do mundo, mas tem os melhores profissionais de saúde. Lida diariamente com os casos mais complicados de partos e consegue ter sucesso numa área onde há apenas algumas décadas Portugal estava na cauda europeia: a mortalidade neo e pré-natal.
Não conheço os pormenores do parto vivido pelo Tiago e não quero minimizar o que possa de facto ter corrido mal. Mas, no meu caso, passei a valorizar ainda mais um serviço público onde, apesar de todos os constrangimentos, todos mostraram uma preocupação ímpar com o bem-estar do meu filho. Estou grato à fisioterapeuta Sofia, que no curso nos ensinou a enfrentar os momentos mais delicados do parto. Agradeço o imenso esforço e dedicação da enfermeira Rita, que, perante um bebé que não estava com o melhor posicionamento para ser parido, tentou todas as posições e mais alguma para que não fosse preciso recorrer a fórceps ou ventosas, respeitando ao máximo o nosso plano de parto.
Não me esqueço de outra enfermeira – com a emoção da reta final não retive o nome –, que quando o Gabriel respirou pela primeira vez ficou tão feliz como se fosse o filho dela. Deu-me a segurança de que estava nas melhores mãos. Fico grato às profissionais da enfermaria que nos explicaram como se mudam as fraldas, como se dá banho e de mamar, que passavam regularmente pelas salas a perguntar como estava a mãe e o bebé. Agradeço à pediatra Margarida a disponibilidade permanente para acompanhar o nosso filho, pelo carinho e preocupação com que o faz. E fico feliz por viver num país que possibilita que todos os cidadãos sejam acompanhados por estes excelentes profissionais. Mesmo os que deles desdenham.