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Em 20 anos a capitalização bolsista em Portugal passou de 55% para 34% do PIB

Um ano após a entrada em vigor da Diretiva dos mercados de instrumentos financeiros (DMIF II), a CMVM debateu a “proteção e responsabilização do investidor” e os “Desafios da Regulação e Supervisão na União dos Mercados de Capitais”.
Cristina Bernardo
31 Maio 2019, 20h04

Em 20 anos a capitalização bolsista em Portugal passou de 55% para 34% do PIB. Os números foram divulgados por um dos participantes no painel que discutiu os limites da proteção e da responsabilização dos investidores no mercado – Nuno Garcias Fernandes  que é presidente do Conselho de Auditoria do Banco de Portugal.

Nos 20 anos do Código de Mercado de Valores Mobiliários a CMVM pôs em debate, numa mesa redonda, subordinada ao tema “proteção e responsabilização do investidor”, Vinay Pranjivan, Consultor da DECO e membro do Stakeholders Group da EBA; Nuno Gracias Fernandes, titular da Cátedra Fundação Amélia de Mello na Universidade Católica e Presidente do Conselho de Auditoria do Banco de Portugal; Paula Costa e Silva, Professora Catedrática em Ciências Jurídicas da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa; Luís Miguel Henrique, Consultor da Macedo Vitorino & Associados; e Pedro Maia, Professor Auxiliar da FDUC e Presidente da Comissão de Acompanhamento e Monitorização do IPCG- Instituto Português de Corporate Governance.

No debate foram analisadas as obrigações de transparência e de informação ao mercado, a prevenção de conflitos de interesse e a verificação da idoneidade, e a promoção de boas práticas de governo das sociedades. Mas também a gestão de reclamações e de conflitos, incluindo a eficácia das sanções e dos acordos entre as partes.

Nuno Garcias Fernandes traçou um cenário pouco animador do mercado de capitais português. Desde 1999 de 100 empresas que estavam cotadas passaram a menos de 50, revelou.

“Um setor tão importante como o do turismo não tem empresas cotadas na bolsa portuguesa, o mesmo acontece com os serviços”, salientou o mesmo orador. Segundo dados recolhidos pelo presidente do Conselho de Auditoria do Banco de Portugal, “temos tantas empresas cotadas como o Bahrein e menos empresas cotadas que a Palestina. E há poucos investidores de retalho na bolsa portuguesa”, lamentou o mesmo orador.

O terceiro painel do dia questionou os limites da proteção e da responsabilização dos investidores no mercado.  Um ano após a entrada em vigor da Diretiva dos mercados de instrumentos financeiros (DMIF II), Vinay Pranjivan, Consultor da DECO e membro do Stakeholders Group da EBA – Autoridade Bancária Europeia, salientou a proibição imposta pelo regulador do Reino Unido (FCA – Financial Conduct Authority) à venda no retalho de títulos que são elegíveis para bail-in dos bancos (títulos que respondem primeiro em caso de resolução de um banco). Vinay Pranjivan defende essa proibição e admite que alguns Estados-membros da União Europeia sigam o Reino Unido.

Depois foi a vez de Luís Miguel Henrique, advogado que tratou de casos de alguns dos lesados do BES e do BPP, dar o seu testemunho sobre casos de vendas enganosas de produtos financeiros (como os depósitos a prazo do BPP que não eram depósitos a prazo, e o papel comercial da Rioforte que era vendido como se tivesse risco BES).

A falta de ética e a oportunidade foram os factos apontados pelo advogado. Mas salientou também o conflito de interesses que reina na sociedade portuguesa. “Se um cliente tiver um problema com uma entidade de supervisão e quiser recorrer a um advogado, os quatro principais escritórios estão impedidos de o defender, porque têm conflitos de interesse”, disse Luís Miguel Henrique.

A maior parte do trabalho de supervisão é reactivo e não pró-activo.

Depois falou-se das avaliações da idoneidade e adequação dos gestores. Pedro Maia, professor auxiliar da FDUC e presidente da comissão de acompanhamento e monitorização do IPCG- Instituto Português de Corporate Governance, disse logo que “não vejo aí a solução do mundo”.

“Vamos ter de caminhar para um split nas eleições dos corpos sociais”, defendeu. A função de fiscalização deve ser atribuída a quem é eleito exclusivamente para essa função e não por quem tem o controlo da sociedade, foi a sugestão deste orador.

Já Nuno Fernandes tinha salientado que Portugal está em 41º lugar no ranking de 61 posições em termos de qualidade dos boards nacionais.

Já Paula Costa e Silva defendeu menos regras e mais poder dos supervisores. Pois a hiper-regulação não ajuda os investidores. Os investidores têm é de saber fazer as perguntas certas: “Qual a natureza do produto e qual o risco?”, disse.

Fazer as perguntas certas é assim o mais importante para esta especialista.

No entanto lembrou que hoje o risco dos investidores passou ser risco dos contribuintes.

Também o membro do Stakeholders Group da EBA, Pranjivan, se mostrou céptico em relação ao excesso de informação.

A transparência foi outro dos temas abordados, a par com a importância de orientar as escolhas na venda de produtos financeiros. Nuno Fernandes citou o exemplo de uma pizzaria que tinha uma lista de 150 pizzas no menu, mas as mais vendidas eram as 10 primeiras. Isso diz muito sobre a importância da organização do menu de serviços financeiros, que deve ser orientado para o perfil de cliente específico e não ser uniforme para todos os clientes. “A industria financeira tem mais  a ver com dados para saber como orientar as escolhas”.

Um inquérito ao público presente na sala do Teatro Thália, revelou que a maioria defende que a literacia financeira deveria ser obrigatória na educação secundária. Mas os participantes da mesa redonda destronaram imediatamente essa tese dizendo que a eficácia de ensinar literacia financeira no liceu é inútil, devendo ser ensinada na altura em que profissionalmente se tem de tomar decisões de investimento.

A keynote speaker do painel, Celina Carrigy – Secretária do Conselho de Administração da CMVM, concluiu o debate resumindo as ideias-chave: é preciso mais ética; mais competência; mais disponibilidade; maior independência; informação mais eficaz; regulação por princípios; opções mais responsabilizantes para os investidores e não diabolizar a ideia de risco.

União do Mercado de Capitais em debate

No último painel do dia, dedicado ao tema “Desafios da Regulação e Supervisão na União dos Mercados de Capitais”, participaram Gabriela Figueiredo Dias, Presidente do Conselho de Administração da Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM); Karel Lannoo, CEO do Centro de Estudos Políticos e Europeus (CEPS); Luís Morais, Professor Associado na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa; e Jean-Paul Servais, Presidente do Comité de Gestão da Financial Services and Markets Authority (FSMA).

O último painel olhou para os desafios que a regulação e supervisão enfrentam em 2019, num contexto de abrandamento económico na Europa e de início de um novo ciclo político.

Entre os tópicos propostos a debate estavam a integração da inteligência artificial e da distributed ledger technology nos atuais modelos de negócio, sem desproteger investidores ou a estabilidade financeira; a promoção do equilíbrio ambiental, social e de governo das sociedades, sem desvirtuar a concorrência, os preços e a rendibilidade como sinais fundamentais do mercado; ou a gestão da relação bilateral com o Reino Unido sem prejudicar a unidade europeia.

No entanto o enfoque foi na União dos Mercados de Capitais. Como se sabe a União dos Mercados de Capitais é uma iniciativa da UE que pretende aprofundar e desenvolver a integração dos mercados de capitais dos 28 Estados‑Membros da UE. Para atingir estes objetivos, a Comissão Europeia propôs um plano de ação que inclui várias etapas para construir progressivamente a União dos Mercados de Capitais, que deverá ficar concluída até 2019.

Um dos oradores, Karel Lannoo, CEO do Centro de Estudos Políticos e Europeus (CEPS), defendeu que nenhuma união do mercado de capitais pode existir sem começar pela emissão, em mercado primário, de dívida europeia, as chamadas eurobonds. A integração do mercado de dívida soberana é essencial para uma verdadeira união de mercado de capitais, defendeu.

Outro orador, Luís Morais, defendeu o papel do venture capital (capital de risco) na inovação financeira, bem como a necessidade de desenvolver a regulação europeia do capital de risco.

Mas o tema que mais se destacou foi o do balanço da eficácia da DMIF II – Diretiva dos Mercados de Instrumentos Financeiros, um ano depois. Ainda não passou tempo suficiente para avaliar e testar a eficácia desta legislação que se traduz na introdução de regras muito apertadas para a intermediação financeira, defenderam vários participantes no debate.

Gabriela Figueiredo Dias, disse, a este propósito, “se concluirmos que fomos longe demais temos de ter a humildade de o reconhecer”.

Recorde-se que a DMIF II assume como tema central o reforço da proteção dos investidores não profissionais. Além do reforço da informação que deve ser prestada aos clientes – seja na fase pré-contratual ou seja na fase pós-contratual – são também reforçados os deveres de os intermediários financeiros (IFs) conhecerem melhor os seus clientes, de modo a determinar que produtos e serviços se adequam melhor ao seu perfil. Os IFs têm de assegurar que os seus colaboradores possuem os conhecimentos e competências adequados para a prestação de informação aos clientes.

Esta diretiva obriga à adoção pelos IFs de procedimentos internos e políticas que previnam e minimizem os conflitos de interesses. Os IF’s passaram, por exemplo, a ser obrigados a implementar uma política de avaliação de desempenho e de remuneração dos colaboradores que não conflitue com o dever de agir no interesse dos seus clientes. Foram também criados limites às vendas cruzadas de produtos e serviços financeiros, proibindo-se, por exemplo, a possibilidade de efetuar vendas cruzadas que integrem depósitos, a comercialização de depósitos em associação com a aquisição de instrumentos financeiros, contratos de seguro e outros produtos financeiros de poupança ou de investimento que não garantam, a todo o tempo, o capital investido.

Os IF passaram a estar obrigados a ter uma política de governação dos produtos que produzem ou distribuem, estando obrigados a definir as características e tipologia de clientes que configuram o mercado-alvo de cada produto, não podendo promover instrumentos financeiros fora do mercado-alvo que tenha sido identificado.

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