As cenas da Sala Oval (28/02/2025), onde o contrato de exploração das Terras Raras e outros recursos naturais ia ser assinado pela Ucrânia e EUA, mereciam entrar numa película cinematográfica de Faroeste, de há alguns anos a esta parte. Faltaram as pistolas. Mas o esbracejar das personagens, as carrancas, os gestos corporais substituíam bem essa falha e imaginando uns empurrões que andaram bem por perto, nem pistolas eram necessárias e, assim, ficava criado o cenário perfeito para um Western americano moderno. Serão estes os sinais dos novos tempos?! Uma perda de qualidade face aos clássicos filmes de cowboys, mas é o que temos agora.
Entrando nas Terras Raras
Uma nota. A designação de Terras Raras não decorre de não existirem em vários locais do Planeta, mas de outras duas/três razões: não existem em estado puro na natureza, mas ligadas a muitos outros materiais e, assim, para as obter, é preciso um desmonte de “montanhas” de pedra e outros aglomerados; segundo, para separar “as gramas” de metais de terras raras são precisas tecnologias de alto teor de sofisticação, de difícil domínio, que a China levou tempo a aperfeiçoar; terceiro, não há (por enquanto) alternativas ao uso destes metais extraídos de Terras Raras que se apresentam como fundamentais para as indústrias de ponta do século XXI.
Sobre as Terras Raras, fala-se muito e pouco se diz e, por vezes, esse pouco distorcendo a realidade. Estatísticas existem. Sobre as tecnologias também muito está escrito por cientistas de qualidade científica comprovada. Sobre a história da situação presente, já menos se sabe, mas os EUA são os principais responsáveis ao empurrarem para a China a poluição e a “fábrica” do Mundo, quando as relações eram amigáveis, e que esta soube aproveitar bem no processo da sua industrialização.
A China, concordam os especialistas, tem um avanço muito difícil de igualar ou ultrapassar por outro país que pretenda apostar em sector tão determinante, por múltiplas razões ligadas à produção, ao domínio tecnológico ao longo de toda a cadeia produtiva (mineração, transformação e refinação, sobretudo estas últimas) e à contratualização na exploração dos metais de Terras Raras, porque as empresas chinesas são conhecidas por não imporem condicionalidades políticas ou valores contrários aos usos e costumes tradicionais das regiões onde operam, nomeadamente em África.
Ora, esta situação que levou tempo a consolidar-se é, de algum tempo a esta parte, um dado adquirido. Assim, para um potencial concorrente que tenha de fazer este percurso – dominar as tecnologias e oferecer melhores condições de comercialização – torna-se uma tarefa de extrema dificuldade como referem os investigadores da matéria.
A China, um actor decisivo a nível mundial
Ao dirigente chinês Deng Xiaoping, o Homem que esteve na origem da mudança estratégica de abertura da economia chinesa (1978), é atribuída uma frase marcante: o Médio Oriente dispõe de petróleo e a China de metais de Terras Raras.
O panorama mundial das Terras Raras é sensivelmente este: a China produz cerca de 60% das Terras Raras (17 metais) a nível mundial e transforma e refina cerca de 80% do seu total, tornando-se o actor decisivo das cadeias de fornecimento destes metais.
Se a esta situação se juntar os BRICS+ de que a China faz parte, o panorama complica-se com países como a Indonésia, rica em alguns destes 17 produtos, elevando a quota mundial acima dos 90%. É obra em sector tão determinante para as indústrias de futuro. Neste contexto, todas as economias mundiais têm uma forte ligação umbilical à China neste domínio e, concordemos, a China tem em suas mãos um grande trunfo que certamente vai/está a utilizar em sua causa.
E sabendo-se que não há fabricação de componentes electrónicos, não há investigação e equipamentos médicos, não há equipamentos militares sofisticados, não há centrais solares e eólicas, nem IA, isto é, na prática, poucas soluções técnicas escapam às Terras Raras, esta realidade torna-se um sufoco, sem um grande entendimento de fundo entre os países. Aqui temos uma área em que é fundamental uma diplomacia muito oleada a funcionar com todas as pinças, o que nem sempre acontece e as grandes tensões políticas EUA/China não facilitam. Pormenorizando um pouco, temos os EUA dependentes das importações da China em cerca de 80% e a UE numa percentagem mais elevada (90%).
Esta situação tem levado as administrações americanas e outras que apostam em muitos destes novos sectores de alta tecnologia a procurar fontes alternativas de Terras Raras e de outros metais críticos, para sair desta dependência chinesa.
As soluções não se apresentam fáceis. Há uns anos largos, o Ocidente apercebeu-se do “entalanço” e começou com algum cuidado a procurar formas de remedeio.
Trump com a forma tão “impetuosa” de agir que já se lhe conhecesse, queria “comprar” a Gronelândia, transformar o Canadá no 51º estado americano, porque também tem por lá uns quantos metais críticos e apercebeu-se que a Ucrânia dispõe de algum interesse, como se verá a seguir, e Zelensky entrou no jogo, esquecendo-se que tinha um compromisso com a União Europeia, segundo um relatório da Comissão publicado em Janeiro de 2025. Não se percebe como tudo isto foi sendo esquecido. Pelo menos, não percebo e não ouvi ninguém falar do assunto. Há aqui algo escondido que soa muito a falso.
As potencialidades da Ucrânia (revista « Conflits »de 26 de Fevereiro de 2025)
Segundo o Instituto das matérias-primas da UE, a Ucrânia detém cerca de 7% das reservas mundiais de grafite, essencial para a fabricação de baterias. O lítio, o “ouro branco” da transição energética, é presente em quantidades notáveis nomeadamente em Donetsk e Dnipropetrovsk. Segundo a Reuters, a Ucrânia dispõe igualmente de 20% das reservas europeias de titânio, crucial para a aeroespacial e indústria militar e de Zircónio utilizado nos reactores nucleares. As Terras Raras, indispensáveis aos semicondutores e equipamentos militares, são concentradas em Kramatorsk e Marioupol. O Instituto Geológico americano estima que a Ucrânia poderia transformar-se num fornecedor importante para a Europa (?).
Só olhando para os nomes dos locais, infere-se que grande parte dos metais (50%) se situam em zonas sob o domínio da Rússia, outro problema adicional para a contratualização.
Resumindo, sem entrar no domínio da política de como estancar a guerra, talvez fosse um bom caminho começar por um entendimento sobre as terras raras e outros recursos, mas certamente mais actores teriam de entrar no circuito. Constou que a Rússia estaria aberta a negociar com os EUA, mas num plano de igualdade, o que não parece ser o caso da Ucrânia e, no caso da Rússia, certamente com a vantagem de poder recorrer ao apoio da China no domínio das tecnologias.
A situação apresenta-se bem complexa. Sem negociações a três ou a quatro, em separado, porque as condições são diferentes, dificilmente haverá caminho para o entendimento e uma contratualização bem sedimentada.
O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.