Várias são as reflexões públicas sobre o que será o mundo pós-pandemia. Uns, consideram que, depois do confinamento, de atingida a imunidade da população ao SARS-CoV-2, chegaremos a um porto rotulado de “novo normal”. Outros, não acreditando que as coisas fiquem como antes, apelidam o período de estabilização como de “próximo normal”. Outros ainda, assumem uma atitude desafiadora ao considerarem que o que vivíamos já não era normal, atentos os desafios estruturais da sociedade que permanecem por resolver.
Um ano após o primeiro confinamento, alinho pela ideia de que o período que temos atravessado nos levará a um estádio de desenvolvimento das pessoas e das organizações com uma significativa alteração de prioridades.
Os consumidores estão a mudar os seus comportamentos para decisões de compra mais programadas. Os mais relevantes segmentos (classe média, vida ativa, em que predominam Millennials e a Geração X) fazem compras através de meios digitais. Com tempo para refletir, e motivados por uma racional aplicação da sua disponibilidade de rendimento, reduzem a propensão para o consumo por impulso, característico das grandes superfícies de venda.
Esta geração, mais instruída e mais informada, tende a colocar no topo das prioridades a segurança na saúde (mais focada no equilíbrio emocional como fonte de bem-estar), tende a trazer para o ranking de preferências a economia local, e vem abdicando de tendências consumistas.
Das referências internacionais sobre tendências de consumo, realço a preocupação sobre o clima e a preservação dos recursos do planeta. Os consumidores exigem um compromisso por parte das empresas e das marcas com a utilização racional dos recursos. Recusam a abundante e indistinta utilização do plástico. E alteram as suas escolhas à medida que o desenvolvimento científico e tecnológico permite ofertas similares na relação qualidade-preço para bens e serviços produzidos, em que a utilização excessiva de não recicláveis conta negativamente.
Numa significativa parte dos produtos e serviços, a pandemia trouxe consigo a aceleração da flexibilidade na afetação de horas de trabalho incorporadas na produção. Em muitos casos, os trabalhadores foram forçados a gerir, em casa, a relação entre horas de trabalho dedicado à empresa, à família e atividades de natureza pessoal. Em muitos casos relatados, sem afetar a produtividade, desmantelando o preconceito de que o teletrabalho abre uma perigosa frente de desresponsabilização das pessoas.
Posto isto, o que será o tempo pós-pandemia? Numa primeira fase, a sociedade enfrentará os reflexos de uma crise económica que poderá ser mais ou menos profunda consoante o tempo de confinamento que ainda temos pela frente. Mas, por certo, será uma sociedade a que se abrem perspetivas de sermos mais justos com o planeta, mais parcimoniosos no consumo e mais work-life balance. Beneficiaremos da atenção que damos aos outros e o valor que isso significa na vida.
Venha de lá a redução de infetados, de hospitalizados e de mortes a lamentar. Venha de lá o fruto do avanço científico para “normalizarmos” o SARS CoV-2. Porque já temos saudades do futuro.