A história de Portugal nunca conseguiu fugir ao endividamento público. A dívida pública representa, no 1.º trimestre de 2023, 113% do PIB, regressando aos valores de 2019, depois de um aumento significativo do peso da dívida pública durante a pandemia.

É um recurso injusto. Primeiro, porque é um “imposto” às gerações futuras — que saldam uma dívida superior à contraída— e, além disso, porque consome receita fiscal, privando a correção de desigualdades e os diferentes recursos do estado. Em 2023 em particular, importa analisar o impacto que este “monstro” tem na economia, nas decisões do Estado e na vida dos portugueses.

Um dos instrumentos de financiamento da dívida são os Certificados de Aforro (CA) — o titular compra parte da dívida do Estado, que por sua vez devolve essa garantia acrescida de um determinado rendimento (os juros). A taxa de juro dos CA é indexada à Euribor — taxa de juro do BCE, que tem vindo a subir, resultante de uma política monetária restritiva. Evidentemente, os CA tornam-se assim num instrumento apelativo à (pouca) poupança que os portugueses conseguem aplicar. Assim, o stock de certificados de aforro mais que duplicou, passando de 12 698.6M€ para 30 324.01M€ — correspondendo agora a cerca de 15% da dívida do estado.

Face a esta situação, o Estado resolveu terminar a emissão de CA da série E, com taxa de juro bruta de 3,5%, e emitir uma nova série, F, com uma taxa de juro bruta que fica pelos 2,5%, permitindo financiar-se de forma mais barata. Até aqui, existe racionalidade — face a um aumento da subscrição de CA, o Estado decide rever o seu financiamento, conservando a sustentabilidade da dívida.

Apesar de ter registado a maior subida dos últimos 12 anos, Portugal é o segundo país da zona euro com a mais baixa taxa de juro nos depósitos a prazo. De facto, a diferença entre juros cobrados no crédito e pagos nos depósitos nunca foi tão elevada — situa-se em 2,96 pontos percentuais. No fundo, a banca em Portugal não só está na cauda da zona euro no que concerne os juros sobre os depósitos, como, por outro lado, é o 8.º país com juros mais elevados na concessão de crédito. Os portugueses viam nos CA uma forma de fazer render de alguma forma as suas poupanças, o que constituía uma concorrência aos bancos.

Urge então questionar o motivo de as taxas de juro nos depósitos serem tão baixas. O negócio da banca é simples: os bancos captam poupanças em troca de um certo rendimento periódico (os juros dos depósitos), que por sua vez é compensado pelos mais elevados juros auferidos do crédito emitido.

Os bancos são também agentes racionais e, na sombra de vários colapsos financeiros, espera-se que prudentes. Logo, o aumento da taxa de juro dos depósitos seguir-se-á apenas a um incremento na procura de crédito de dimensão compensativa suficiente, o que dificilmente acontece num país extremamente endividado aos níveis público e privado, de baixos rendimentos e com uma taxa de inflação que duplica os juros.

Entende-se, portanto, que existe um paralelismo entre o Estado e a banca. No entanto, espera-se que o Estado consiga adotar uma visão mais holística da economia, indo além da sustentabilidade da dívida e finanças públicas — preocupações válidas num país que continua a ter uma dívida superior ao seu PIB. Contudo, importa também acautelar os sinais que as suas ações transmitem à economia.

Num contexto de inflação, os CA permaneciam um “oásis” na salvaguarda das poupanças das famílias. Ao debilitar este instrumento, o Estado incentiva, por um lado, a que haja uma canalização das poupanças para o consumo — contraditório com uma política de combate à inflação — e, por outro lado, elimina um dos poucos incentivos à subida das taxas de juro dos depósitos.

No fundo, o país depara-se com uma situação em que, na ausência de crescimento económico sustentado e significativo, o Estado subsiste da inflação, que lhe permite sustentar a dívida, mas que por sua vez deixa os portugueses reféns dos “juros perdidos”.