Nunca é demais relembrar ao que o frenesim da dívida, aparentemente sem limites, nos levou: hipotecas subprime, falências em série e contracção das economias. No caso português, uma espiral de endividamento estatal e privado, com uma violenta retracção do volume de negócios, resultados e emprego na fileira da construção e dos serviços financeiros.

A vertigem destes anos conduziu-nos a balanços dos bancos assentes no crédito a empresas em sectores não expostos a concorrência internacional e de bens não transaccionáveis. Quando o ciclo económico se alterou, e os investidores internacionais se recusaram a comprar dívida pública ou privada oriunda dos PIGS, o nosso mundo desabou.

Infelizmente, o financiamento da troika não acudiu, se não apenas de uma forma muito mitigada, para sanear os balanços dos bancos portugueses, ao contrário do que sucedeu em Espanha. Aos bancos portugueses foi imposta uma cura de emagrecimento: menos balcões, menos bancários e menos carteira de crédito. Tudo a ser feito rapidamente.

Aconteceu o que sabemos: vilas e aldeias portuguesas sem agências ou bancários, vendas com enorme desconto das carteiras de crédito com imparidades, vendas essas feitas com enormes prejuízos para os bancos, os trabalhadores bancários, os accionistas privados e os contribuintes. Vendas feitas à pressa, sempre debaixo da pressão do Banco de Portugal, a obrigar a uma desalavancagem rápida e com dor. O que se fez foi vender ao desbarato, para benefício de investidores predadores, sejam eles fundos norte-americanos, chineses, angolanos ou detidos indirectamente pelos mesmos sujeitos que levaram Portugal à falência.

Comum a tudo isto: uma enorme transferência de riqueza. Perderam os bancários, os clientes detentores de obrigações seniores no BES e no BANIF e perderam também os pequenos accionistas dos bancos.

Porém, poderia não ter sido assim. Teria sido suficiente que o Estado português tivesse exercido um direito de opção sobre a alienação destas carteiras com imparidades, vendidas em desconto em mercado aberto. Comprava estas carteiras, colocava-as nos veículos especializados que detém: Oitante e Parvalorem. Veículos estes que possuem quadros qualificados e experientes, que nos últimos anos têm feito notáveis recuperações do que era a massa de créditos com imparidades dos antigos BPN e do BANIF, e que EuroBic e Santander Totta não quiseram. E colocaria estes activos, paulatinamente, no mercado, sem pressão, e com enormes mais-valias para os contribuintes e para o Fundo de Resolução.

Afinal, não seria mais do que aquilo que fizeram, entre tantos outros, um fundo abutre com uma obscena mais-valia através da aquisição e recente alienação duma centenária seguradora, não sem antes a ter desnatado do património imobiliário mais relevante.

Por isso, confesso a minha estupefacção e indignação com aquilo que se prepara para a Oitante e a Parvalorem: ao invés de capitalizar o seu know-how e os bons resultados que estão a obter, ali parqueando mais imóveis e mais trabalho, está em marcha acelerada um plano de redução de actividade e de emprego. Com planos de encerramento das duas instituições quase que sendo antevistos por um observador atento. Como se o mesmo Governo socialista, que saneou a banca, quisesse agora continuar a alimentar as mais-valias dos especuladores internacionais e o desemprego dos bancários destas duas instituições. Centeno e Mourinho, quo vadis?

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.