Vivemos dias estranhos. Era suposto que, por esta altura, o legado pernicioso da troika já fosse uma história do passado. Afinal, temos hoje um Governo de Esquerda, suportado no Parlamento por partidos políticos à sua esquerda, tradicionalmente sensíveis a estas questões. Contudo, há desequilíbrios penalizantes para os trabalhadores que permanecem por corrigir no Código de Trabalho.

O que explica esta inércia? Não deveria ser o Estado o principal defensor dos mais fracos? Não era suposto o Governo, e o Parlamento com a sua maioria de Esquerda, zelarem pela proteção daqueles que têm muitíssimo menos meios para se defender? Aqueles que, sob enorme pressão, se a Lei não os protege, são obrigados a aceitar o que não querem?

Infelizmente, lamento ter de o dizer, nalguns aspetos cruciais, o Governo e o Parlamento parecem ter-se esquecido dos trabalhadores. Sim, estou a medir bem as palavras. Atualmente, a realidade continua a ser dura para o trabalhador que queira impugnar judicialmente o despedimento coletivo.

Hoje, tal como foi imposto pela troika, se quiser impugnar um despedimento coletivo, o trabalhador tem de devolver a indemnização legal. Indemnização legal que no final do processo judicial será sempre sua, mas que, com a atual moldura, o priva de meios para resistir ao calvário judicial.

Como é possível que esta norma iníqua, repito, iníqua, continue a constar do Código de Trabalho?

Todos sabemos que, por razões financeiras (e em boa parte por causa desta norma indigna), muitos trabalhadores ficam impossibilitados de impugnar, ou manter o processo de impugnação de despedimento coletivo, tanto mais que esses processos são particularmente morosos e, por regra, ultrapassam a duração do subsídio de desemprego.

Com o tabuleiro inclinado a seu favor, as entidades patronais jogam com a fraqueza dos trabalhadores, sabendo que poucos terão capacidade para resistir psicológica e materialmente a tão dura prova. Muitos optam por não litigar. Outros chegam a acordo antes ou durante os processos judiciais. Uns e outros abdicando de um futuro melhor apenas porque a ganância de alguns assim o impõe. Sob o olhar passivo, repito, do Governo e do Parlamento.

É imoral que empresas altamente lucrativas queiram mais e mais lucros à custa dos trabalhadores. Empresas que poderiam e deveriam conduzir os processos de redução dos seus trabalhadores de outro modo. Empresas ingratas que descartam sem pestanejar os trabalhadores que muitas vezes sacrificaram a sua vida pessoal porque eram essenciais no posto de trabalho. Era um objetivo trimestral que tinha de ser cumprido. Um prazo que não podia ser ignorado. O preço?

As férias que tiveram de ser adiadas, a festa de aniversário a que se teve de faltar, os filhos que não se viu crescer, o casamento que ruiu.

Agora, a contrapartida patronal é uma indemnização alegadamente generosa, mas que de generosa nada tem. É o fundo de pensões de que se abdica. É o subsistema de saúde que se deixa de usufruir. Horas e horas de dedicação, muitas horas extraordinárias não pagas, serões até às tantas no escritório, para nada.

Lamento, mas isto tem de ter um ponto final.

Assim, perante a passividade do Estado, numa iniciativa inédita em Portugal, o Sindicato Nacional dos Quadros e Técnicos Bancários (SNQTB), que lidero, decidiu constituir um Fundo de Apoio Sindical (FAS). Este Fundo visa tornar o terreno menos inclinado em desfavor dos mais fracos. Por isso, vamos conceder empréstimos, sem juros, a todos os trabalhadores que queiram impugnar judicialmente os despedimentos de que possam vir a ser alvo.

Uma vez que o Estado persiste em se demitir das suas responsabilidades, vamos nós criar as condições necessárias para que os trabalhadores lutem judicialmente pelos seus direitos, se assim entenderem. Por um futuro e um país melhor.