Confesso que dei uma gargalhada quando li que Luís Natal Marques, presidente da EMEL, anunciou há meses que tinha por “aspiração tornar a EMEL a empresa mais amada de Lisboa”. A receber cerca de 70 a 80 mil reclamações por ano, esta aspiração só pode traduzir um completo desconhecimento da realidade.

No que diz respeito à EMEL, tenho a sensação de que a maioria das pessoas nutre um qualquer sentimento igualmente forte mas de sentido contrário, essencialmente pela prepotência que sentem na forma de estar da empresa.

Pensar a mobilidade é um objectivo fundamental, assegurar a viabilidade de estacionamento é indiscutível e garantir disponibilidade de lugares a residentes é igualmente crítico. Mas tal tem de ser assegurado não só por uma política integrada, mas também a pensar nas necessidades no médio e longo prazo. EMEL, câmaras e Governo têm de pensar que, por exemplo, com os carros partilhados e, mais breve do que possamos pensar, autónomos, o estacionamento vai passar de escasso a excedentário.

Invista-se desde já numa cidade inteligente, começando pela componente da mobilidade. Diria que, com a tecnologia hoje disponível, qualquer área da gestão da cidade pode ser pensada de forma a ser enquadrada numa cidade inteligente. Mas a mobilidade é claramente a mais urgente e de maior impacto quer na qualidade de vida da população, quer na desejada descarbonização.

Um exemplo clássico é o parquímetro inteligente que usa uma aplicação para ajudar os automobilistas a encontrar estacionamento disponível, para que evitem a circulação lenta e rotativa à procura de lugar. Para o pagamento, a app da EMEL poderia ser uma boa solução… se funcionasse. As vezes que o meu telefone fica bloqueado ao tentar abrir a aplicação são muitas mais do que aquelas em que corre bem.

Também o transporte público deve ser inteligente de forma a garantir que responde à procura, onde ela existe e em tempo útil. Várias iniciativas são já conhecidas em diversos pontos do país (pode encontrá-las aqui). Em Lisboa, aparentemente, não há novidades a este nível, só existe mesmo a “eficiência” da EMEL. As opções bicicletas e trotinetes são válidas mas não servem distâncias mais longas nem tão pouco as linhas de Cascais e Sintra, donde deverão provir a maior parte dos carros que circulam em Lisboa.

Reduziram o preço dos passes. E então? Esta medida só serve quem já tinha passes, porque quem se vê obrigado a levar o carro para Lisboa vai seguramente continuar a levá-lo. A questão fundamental não é o preço dos passes, mas a escassez de transportes públicos que incluam, aliás, não apenas Lisboa mas as zonas adjacentes. Os transportes públicos são escassos e caros. Quem tem de ir a Lisboa pontualmente não compra o passe. Mas sai-lhe mais barato e demora um quinto do tempo levar o carro a ir de transportes públicos. Quem tem de se movimentar localmente nas zonas que não o centro de Lisboa, demora horas para percorrer a distância que de carro demora 15 minutos.

O que se passa em Lisboa é que, aparentemente, a câmara e a EMEL têm por objectivo obter receitas através de multas sem se preocuparem com a identificação de soluções que permitam de forma efectiva ajudar as pessoas a não levar o carro para a cidade.

A EMEL multa sem qualquer bom senso ou verificação de condições de estacionamento. Há ruas em que a placa de residentes só existe no início da rua, muitas vezes na esquina, dificilmente vista por quem conduz e está atento ao trânsito, como na Rua Nova do Almada, em plena baixa lisboeta.

Cereja no topo do bolo? Bloqueia veículos sem qualquer justificação, passando o prejuízo do automobilista de 20 euros para 90 euros e do tempo de pagamento de uma multa num qualquer multibanco para horas de espera, que podem, inclusive, significar acumulados prejuízos se o automobilista ficar privado de cumprir quaisquer obrigações fundamentais naquele tempo.

Claro que, em cima disto, não responde sequer a reclamações e muito menos, calculo, devolve o dinheiro cobrado indevidamente. Eu própria já fui bloqueada por ter estacionado à frente de uma oficina automóvel, onde poderia haver entrada e saída de veículos. O “problema” é que a oficina é agora um ginásio, cuja entrada ou saída é de pessoas e não carros e por uma porta perfeitamente normal. Não estava a incomodar nada nem ninguém, mas não só me multaram como me bloquearam o carro.

Qualquer pessoa que circule em Lisboa deve ter uma história com a EMEL. A ideia generalizada é de que se trata de uma empresa prepotente, sem qualquer racional de actuação que não seja penalizar ao máximo o cidadão. Já dizia Abraham Lincoln, “se quiser pôr à prova o carácter de um homem, dê-lhe poder”.

E por falar em EMEL e mobilidade, esta semana veio a público que a EMEL pretende rescindir o contrato que celebrou para a rede de bicicletas partilhadas conhecida em Lisboa como Gira, com a Órbita, marca simbólica de bicicletas com quase 50 anos.

Não conheço os factos, apenas a prepotência da EMEL. Da Órbita, pertencente à Miralago, sei que foi vendida pelo seu fundador em 2015 aos actuais sócios, que ultrapassou a crise de 2008, que superou a concorrência de uma Decatlhon ou até de supermercados, que exporta 80% da sua produção e que está presente em vários países europeus, África e Estados Unidos da América.

A Órbita, em comunicado de imprensa, reconhece o incumprimento de que é acusada mas fala em processo mais complexo e com mais intervenientes. E, acrescenta, surpreendida com a rescisão, que diz acontecer no meio de um processo negocial.

Uma vez mais, não conheço o processo, mas pelos valores das penalizações que a EMEL diz poder exigir, receio ser o fim da Órbita e dos que orbitam em torno dela, a começar pelos trabalhadores. Gostava de conhecer os termos contratuais. Quem são os intervenientes de que fala? Calculo que um contrato deste género seja demasiado importante para não ter sido levado a sério pela Órbita. Terá sido um passo maior que a perna? É prepotência da EMEL? Haverá outros interesses a falar mais alto?

Uma coisa é certa. A não ser que mudem drasticamente a sua forma de relação com as pessoas, a EMEL nunca será uma empresa amada em Lisboa ou onde quer que seja.

A autora escreve de acordo com a antiga ortografia.