A Web Summit vai ficar em Portugal durante os próximos dez anos. Passando ao lado da ironia de se tratar de um evento sobre empreendedorismo que é organizado por um empreendedor que descobriu um filão chamado dinheiros públicos (110 milhões de euros ao longo de uma década), não deixa de ser uma boa notícia para Portugal.

A Web Summit contribui para a notoriedade do país, traz milhares de visitantes a Lisboa e dá palco a empresas nacionais que, de outra forma, teriam dificuldade em chegar a alguns investidores internacionais mais sofisticados. Veja-se o caso de empresas como a Codacy, que venceu a competição da Web Summit em 2014 e que, a partir daí, não parou de crescer. Os benefícios para a economia portuguesa dificilmente serão mensuráveis, mas evidentemente que é bom para Portugal acolher um evento desta importância e magnitude.

Dito isto, a Web Summit não é a panaceia que vai transformar a economia portuguesa. Exemplos como o da Codacy contam-se pelos dedos das mãos e o problema de fundo persiste: podemos ter as melhores start-ups do mundo, mas, sem capital para as financiar, não só não terão futuro, como eventos como a Web Summit serão uma espécie de elefante branco, ou um campo de golfe no deserto, que só existe porque é pago pelo dinheiro dos nossos impostos.

O que fazer então para resolver este problema? Deixo duas sugestões.

Em primeiro lugar, criar condições para tornar mais atrativo o investimento em projetos inovadores, com benefícios fiscais mais generosos para quem investir em novas empresas. Eventualmente, revendo o próprio conceito de start-up, aplicando-o também a negócios tradicionais que criem emprego e sejam inovadores, algo que nem sempre acontece.

Em segundo lugar, uma vez que escasseiam capitais próprios, precisamos de rever o papel da banca no financiamento das novas empresas, permitindo que os bancos sejam mais “empresários”, isto é, que possam analisar o potencial de cada projeto e emprestar dinheiro em conformidade, mesmo que, à primeira vista, os fundamentais tornem o crédito desaconselhado. Esta mudança de foco da banca, juntamente com novos instrumentos de garantia mútua direcionados especialmente para os empreendedores, alargaria de forma significativa as opções de financiamento de novos projetos.

Por fim, precisamos de uma visão mais realista sobre o que é o empreendedorismo. Nem todas as pessoas têm perfil para serem empreendedoras. Nem têm de ter. O empreendedorismo não deve ser uma nova forma de religião e o grande risco de eventos como a Web Summit é precisamente o de poder ajudar a disseminar uma falsa ideia sobre o que é ser empreendedor. Quantos jovens que não têm perfil para empreendedores desperdiçam anos em projetos sem futuro, quando poderiam estar a completar a sua formação trabalhando em empresas já consolidadas? Quantas pessoas esgotam o subsídio de desemprego em empresas condenadas ao fracasso, mesmo que não tenham a menor aptidão para gerir o seu próprio negócio, simplesmente porque não têm para onde ir e a Segurança Social precisa de as retirar das estatísticas do desemprego?

Claro que tudo vale a pena quando a alma não é pequena e, muitas vezes, aprende-se mais com os falhanços do que os sucessos. Mas há que ter os pés na terra.