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Empresas acusadas de usar trabalho escravo financiaram 10% dos deputados federais brasileiros

Mais de 50 deputados receberam 3,5 milhões de reais de empresas responsabilizadas por trabalho escravo. Da lista, constam cinco ex-ministros de Dilma Rousseff e o atual presidente Michel Temer, este como intermediário.
Adriano Machado/Reuters
16 Fevereiro 2018, 19h03

Um investigação dada a conhecer pela revista brasileira “Repórter Brasil” afirma que pelo menos um em cada dez deputados federais foi financiado durante a campanha por empresas apanhadas a utilizar mão-de-obra em tudo semelhante à escravatura, para as eleições de 2014. Ao todo, 51 dos 513 parlamentares eleitos receberam 3,5 milhões de reais (cerca de 870 mil euros) de empresas que estão ou estiveram cadastradas como usando aquele tipo de trabalho.

O MDB – Movimento Democrático Brasileiro, de onde viriam a sair o Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB), o Partido dos Trabalhadores (PT) e o Partido Democrático Trabalhista (PDT) – foi o que mais dinheiro recebeu desse grupo, com 13 membros (20% dos deputados eleitos na altura). O PT surge em segundo lugar, com 11 deputados (16% dos deputados).

Entre os deputados financiados, há líderes de partidos, cinco ex-ministros do governo de Dilma Rousseff, secretários estaduais, além de doações que passaram pelo gabinete do então candidato a vice-presidente da República, Michel Temer. Dos 51 deputados, 21 fazem da Frente Parlamentar da Agropecuária – crítica do conceito de trabalho escravo no Brasil e que apoiou ativamente legislação do governo Temer (entretanto suspensa) que reduzia as situações que são consideradas trabalho escravo.

Segundo a publicação, receber doações de empresas que usam trabalho escravo ou foram apanhadas em infração ambiental não configura crime, nem é proibido pela lei eleitoral, “mas é uma informação relevante, que pode sinalizar alguns dos interesses dos financiadores ao investir na campanha dos deputados”.

O deputado da atual legislatura que mais recebeu dinheiro de empresas responsabilizadas pelo crime foi Samuel Moreira (PSDB-SP): 14 mil euros da Tratenge Engenharia, empresa que foi multada por usar trabalho escravo na construção do Hospital Universitário da Federal de Juiz de Fora, em março de 2013, mais de um ano antes das eleições. Moreira disse à revista que “não tinha conhecimento de que a empresa estava na lista suja do trabalho escravo na eleição de 2014” e garante que a sua atuação parlamentar não foi afetada por esta ou qualquer outra doação realizada durante a campanha – durante a qual recebeu 690 mil euros. A Tratenge Engenharia não aceitou responder aos pedidos de esclarecimento.

Entre os cinco ex-ministros de Dilma Rousseff (PT) que aparecem na lista está Maria do Rosário (PT-RS), ministra dos Direitos Humanos entre 2011 e 2014, que recebeu quase 25 mil euros da MRV Engenharia, igualmente multada pelo uso de trabalho escravo em diferentes obras antes do período eleitoral.

A assessoria da deputada afirmou à “Repórter Brasil” que “nenhuma doação eleitoral influenciou ou influencia os mandatos exercidos por Maria do Rosário ao longo de sua vida pública”, mas não especificou se tinha conhecimento das acusações contra a MRV.

Já a empresa disse que todas as suas doações observaram a legislação eleitoral brasileira e que a inclusão na lista das utilizadoras de trabalho escravo “ocorreu indevidamente em dois momentos, ambos em 2012.

Os ex-ministros Aguinaldo Ribeiro (Ministério das Cidades), Alfredo Nascimento (Transportes), Edinho Araújo (Portos) e Marcelo Castro (Saúde) são os restantes nomes da lista.

Entre aqueles que receberam o dinheiro de forma indireta, está o ex-ministro Edinho Araújo, que recebeu quase cinco mil reais da Cutrale. O dinheiro da empresa foi depositado ao então candidato através do comité do presidente da Fiesp (Federação das Indústrias de São Paulo), Paulo Skaf, que era candidato a governador pelo MDB.

Maior produtora de sumo de laranja do mundo, a empresa entrou na última edição da lista do trabalho escravo, divulgada em outubro de 2017. Araújo afirmou à revista que “desconhecia as multas” e que as doações não influenciaram a sua atuação parlamentar. Já a Cutrale afirmou que as doações sempre foram feitas de “forma legal e transparente”.

A assessoria de comunicação da Fiesp, por seu lado, afirmou que “todas as doações recebidas pela campanha de Paulo Skaf ao governo de São Paulo estão devidamente registadas na Justiça Eleitoral, que aprovou a sua prestação de contas sem qualquer reparo, dentro das regras vigentes”.

Além de Skaf, outros 12 candidatos intermediaram dinheiro ligado a essas empresas. Entre os comités, está o do presidente Michel Temer, então candidato à vice-presidência. O comitê de Temer transferiu cerca de 174 mil euros doados pela empresa de construção OAS para outros seis candidatos – todos eles do MDB de São Paulo.

A Presidência da República afirmou à “Repórter Brasil” que Temer não tinha conhecimento do caso do trabalho escravo, “porque esse dinheiro era repassado para os candidatos” e negou que a doação influencie a sua atuação. A OAS não respondeu aos pedidos de esclarecimento.

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