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Empresas de restauração pedem crédito, mas bancos rejeitam. Conheça um caso concreto

O empresario Rui Aguiar, sócio gerente do restaurante portuense ‘Wine Box’ pediu um financiamento ao abrigo das linhas de crédito criadas para o setor da restauração reagir à pandemia, mas o Bankinter recusou. Fonte oficial do banco não comenta casos de clientes.
15 Abril 2020, 07h55

Estão a crescer, de número e de tom, as críticas das empresas de restauração à falta de apoio dos bancos na concessão de créditos, no âmbito da linha de apoio específica criada pelo Governo para fazer face ao impacto do surto do coronavírus no setor e na economia.

As empresas reclamam mais apoio da banca ao setor da restauração e exigem uma maior fiscalização à forma como os montantes destas linhas de crédito são atribuídas.

Entre inúmeros casos, chegou ao conhecimento do Jornal Económico, a experiência da TWB Porto Lda, uma empresa do setor da restauração do Porto.

A TWB emprega 24 funcionários, com contratos a termo, ou seja, efetivos, a maioria para o serviço no restaurante e ‘wine bar’ localizado na baixa portuense, perto da Ribeira, o ‘The Wine Box’, em que cerca de 80% a 90% dos clientes eram turistas.

O restaurante já trabalha há cerca de sete anos e com sucesso, de tal forma que no ano passado a empresa atingiu uma faturação superior a 500 mil euros.

Tem uma área de lugares sentado para 44 clientes e disponibiliza uma carta de vinhos com mais de 800 referências, das quais 600 a copo, tendo sido várias vezes distinguido como um dos melhores neste tipo de espaço enogastronómico.

O bom andamento dos negócios levou Rui Aguiar, sócio gerente da empresa, a investir cerca de 40 mil euros, de capitais próprios, sem recurso a crédito, no início deste ano, na renovação e na decoração do espaço, e na aposta da loja ‘online’.

O surto do coronavírus apanhou-o desprevenido, como à grande maioria dos portugueses.

Quando, há pouco mais de uma semana, tomou conhecimento da linha de crédito específica e excecional criada pelo Governo para o setor da restauração, candidatou-se a um financiamento de cerca de 25 mil euros junto do Bankinter.

Reclamando que não tem dívidas à Segurança Social e à Autoridade Tributária, prometendo manter todos os postos de trabalho, Rui Aguiar viu a sua proposta recusada pelo Bankinter, com o argumento de que a concessão desse crédito não se enquadrava nas “normas internas” do banco.

“No seguimento do vosso pedido de apoio para a empresa em assunto cumpre-me informar que o referido apoio foi recusado, considerando a situação económica e financeira da empresa, as dívidas à Segurança Social, apesar de terem planos em curso  e estes estarem a ser cumpridos, levaram à recusa da operação”, foi a resposta do Bankinter a este empresário específico, a que o Jornal Económico teve acesso.

“Sabemos que não somos uma empresa muito apetecível para os bancos. Nunca recorremos a créditos ou a contas caucionadas. Não temos vínculos. Mas o que me revolta e me repugna é os bancos continuarem a aproveitar-se das frágeis situações das empresas para ganhar dinheiro. E até compreendia se fosse uma conjuntura normal, mas esta é uma situação excecional”, acusa Rui Aguiar, em declarações ao Jornal Económico.

O sócio gerente da TWB indigna-se: “temos cumprido com os nossos objetivos, com todos os requisitos para nos candidatarmos a estas linhas de crédito, temos as contas regularizadas com a Segurança Social e com a Autoridade Tributária, assumimos o nosso compromisso de não despedir nenhum dos nossos funcionários, e depois recusam-nos o crédito, alegando normas internas do banco, numa linha de crédito excecional, criada para fazer face à pandemia?”.

Contactada pelo Jornal Económico, fonte oficial do banco respondeu que “o Bankinter não faz quaisquer comentários sobre a sua relação comercial com clientes ou potenciais clientes”.

“Mantemos o propósito de apoiar os nossos clientes empresas e particulares, nomeadamente no difícil contexto atual. A nossa intenção é reforçada pelas medidas de apoio às famílias e às empresas que apresentámos ainda antes das condições definidas pelo Estado”, assegura a referida fonte do Bankinter.

As medidas do Bankinter podem ser consultadas em https://saladeimprensa.bankinter.pt/detalle/-/prensa/86266.

Voltando a Rui Aguiar, o empresário garante que “vou lutar contra isto”.

“Vamos ter de recorrer a outras formas de financiamento que não nos comprometam. É evidente que vamos asumir que vamos levar a empresa por diante. Já tivemos uma conversa com os nossos funcionários e é óbvio que vai custar a todos este sacrifício, mas com este compromisso e cumplicidade vamos conseguir”, confia Rui Aguiar.

Segundo o sócio gerente da TWB, “os bancos não existem para facilitar a vida a ninguém, seja com aval do Estado, seja sem aval do Estado, um setor que os contribuintes portugueses ainda há bem pouco tempo, sem terem dado sequer a sua opinião, foram obrigados a ajudar”.

“Agora, em vez de estarem a retribuir esse nosso esforço, estão a fazer exatamente o contrário”, denuncia Rui Aguiar.

O sócio gerente enviou uma exposição sobre esta rejeição do acesso à linha de crédito por parte do Bankinter a diversas instituições, incluindo a CIP – Confederação Empresarial de Portugal, cujo presidente, António Saraiva lhe respondeu que estavam a fazer todos os esforços para tentar mudar esse comportamento e essas práticas comuns dos bancos na concessão de crédito às empresas.

“Parece que toda a gente tem conhecimento destas práticas por parte dos bancos, mas também parece que toda a gente encolhe os ombros. São práticas imorais e, nalguns casos, completamente ilegais”, acusa este empresário da restauração.

Independentemente da opinião deste empresário, a legislação excecional criada para permitir estas linhas de crédito excecionais a diversos setores da economia conferem aos bancos o poder e a função de fazerem análise de crédito perante as candidaturas apresentadas pelos clientes, o que pressupõe a possibilidade de os financiamentos poderem ser recusados pelas entidades bancárias.

Rui Aguiar defende uma maior fiscalização sobre os bancos na forma como são geridas estas linhas de crédito e de financiamento no âmbito das medidas excecionais para reanimar a economia debilitada pelo impacto do coronavírus. O empresário relata que alguns bancos já estão a declarar como esgotada a linha de crédito de 300 milhões de euros estabelecida para as empresas do setor da hoteleria não restauração, quando, assegura, não conhece nenhum congénere cujo pedido de financiamento teha sido aceite até ao momento.

Em relação à sua empresa, a braços com a incerteza que paira sobre quando e como se vai sair desta pandemia, Rui Aguiar está a reorientar a TWB para trabalhar nos dias que correm em regime de ‘take-away’.

“É um modelo que não estaria nas minhas conjeturas. É uma adaptação. Mas também penso que com esta crise muitos restaurantes vão sofrer uma alteração radical. E os que mais vão sofrer são os que viviam essencialmente do turismo. Vamos ter mais dificuldades porque a normalização da vida quotidiana vai demorar”, prevê Rui Aguiar.

Versão atualizada às 10h22m

 

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