1. Algumas revistas e jornais europeus têm vindo a alertar com insistência para a dependência excessiva do gás dos EUA, situação gerada com a guerra da Ucrânia (Fev2022), onde a Europa começou a substituir o fornecimento, via gasodutos, de gás russo bem mais barato, pelo GNL (gás natural liquefeito) oriundos do Qatar e, em especial dos EUA, a preços bem mais elevados.

Como várias vezes se alertou, aqui, a Europa, devido a sanções económicas mal concebidas, mais idóneo seria dizer-se de seguidismo, porque se limitou a seguir, sem pensamento próprio, as decisões políticas do governo Biden (EUA), salta de uma dependência energética para outra, sem benefícios alguns. Bem, pelo contrário, com perdas avultadas e efeitos gravosos nos custos das empresas e despesas das famílias. Não podemos esquecer. O preço médio da energia na UE mais que triplicou em termos relativos.

As consequências não se fizeram esperar. Elevada perda de competitividade das empresas europeias, deslocalização [diferenciada, segundo os países-membros, consoante a sua incidência nas indústrias química e metalurgia, sectores energia-intensivos] para outros países com custos baixos de energia, efeitos no bem-estar das famílias, pela redução dos níveis de aquecimento e do uso do ar condicionado, provocando um número de mortes significativo na Europa (umas centenas de milhares) e, ainda, aumento da poluição devido à reanimação das centrais a carvão.

2. A problemática energética foi, desde o início, um dos maiores problemas, levantado pelas empresas do sector químico e petroquímico à Comissão Europeia, aquando da aplicação das primeiras sanções económicas à Rússia, onde a redução da compra de hidrocarbonetos era um dos focos-chave, alegando, o que era óbvio, os efeitos na economia.

A UE não levou em conta a posição das empresas, antes atrelou-se à linha política dos EUA que reunia condições bem diferentes da Europa para seguir aquela política: produção de gás, efeito reduzido no preço e ainda o mercado europeu de gás que se lhes abria.

Algo está a mudar…

3. Perante as consequências por demais evidentes, está a assistir-se a uma viragem firme, traduzida em opinião pública. O que vai daí resultar? Muitas incertezas, quase todas dependentes do desfecho a prazo da guerra da Ucrânia.

Escreve a revista Transitions & Énergies de 19/04/2025: “Para não perder o que resta de sua competitividade industrial e não depender exclusivamente de seus suprimentos de gás dos Estados Unidos e do Catar, os atores econômicos e políticos europeus (tradução brasileira), estão agora considerando abertamente que o gás russo pode ser um mal necessário de alguma forma. Não seria de forma alguma uma questão de se aproximar do regime de Vladimir Putin e importar quantidades de gás comparáveis às que existiam até 2021. Mas, no caso de uma paz aceitável entre a Ucrânia e a Rússia, isso significaria diversificar as fontes de fornecimento de gás natural aos países da União. Resta apenas conseguir chegar a acordo sobre uma estratégia a nível europeu que combine segurança energética e credibilidade geopolítica”.

As empresas da UE defendem soluções alternativas e menos caras para recuperar a sua dinâmica competitiva. Olham para a dependência real do GNL dos EUA como um risco acrescido pelo eventual uso indevido de Trump na sua errância no jogo das tarifas aduaneiras. E, neste contexto, apontam que, embora numa proporção diferente, da de antes da guerra, é de retomar o abastecimento russo.

Escreve a revista citada que, há um mês, em conversa, Patrick Pouyanné, CEO da Total Energies, explicou: “Eu não ficaria surpreso se dois dos quatro gasodutos (fossem) colocados de volta em serviço, não quatro em quatro”. Para Patrick Pouyanné, a indústria europeia não tem chance de ser competitiva, sem um certo nível de fornecimento de gás russo, por meio de gasodutos, que permita que ele seja pago a preços muito mais baixos do que o GNL.

“Não há como competir com o gás russo com GNL de qualquer lugar”, disse Pouyanné e, recentemente, acrescentou à agência Reuters: “Temos que diversificar nossas fontes de abastecimento, pegar muitas estradas e não depender de uma ou duas delas… A Europa nunca mais voltará a importar 150 mil milhões de metros cúbicos da Rússia como fazia antes da guerra … mas apostaria talvez em 70 mil milhões de metros cúbicos”.

Registamos este depoimento, mas muitos mais dirigentes de grandes, médias e pequenas empresas defendem esta opinião.

Passado este tempo, existe um reconhecimento de que as sanções económicas pelo menos no tocante ao gás foram um erro colossal. Agora, até já se pode exprimir esta opinião, sem se ser “molestado” de pró-Putin. Agora, são os políticos europeus defensores destas posições tão abertamente contestadas, que se sentem incomodados por haver tantos a dar voz e a se oporem ao tipo de sanções, orientadas, então, pelos interesses americanos.

O apagão ibérico

Nos países da União, a situação continua complexa. As necessidades de gás natural não desaparecerão por magia. A estratégia alemã de transição energética (Energiewende), que privilegia as energias renováveis intermitentes (eólica e solar), continua a dominar e persiste as tentativas de a impor a todos os países da UE pelas instituições europeias.

Admite-se, de forma generalizada, que estas energias intermitentes (sozinhas e em dimensão exagerada) não são solução idónea (independentemente dos erros de gestão da rede que houve) e terão contribuído de diversas maneiras (produção e sobretensão nas redes de alta tensão) para o apagão ibérico.

Hoje, na EU, há uma maioria de países a favor da energia nuclear, só que os serviços da Comissão Europeia continuam a reboque da posição alemã e com muitos apoios de Comissários em exercício a dificultarem avanços ponderados.

Com as perspectivas de elevados consumos de electricidade, no curto e médio prazos, designadamente pelo surgimento das várias actividades económicas ligadas à IA, a União Europeia corre sérios riscos de perder mais uma vez a oportunidade de estruturar uma política energética dinâmica e, daqui a uma dezena de anos, vir a aparecer um novo relatório Draghi a constatar que a Europa, afinal, se afundou no contexto mundial porque, depois de numerosos alertas, continuou a persistir no erro sem encontrar o caminho certo  para a energia.

A UE não consegue chegar a entendimento neste domínio-base. Os jogos e interesses dos lóbis são muitos e contraditórios e anulam-se e quem perde está à vista. As vítimas dos apagões e das perdas de competitividade na Europa.

O apagão ibérico deu-nos uma amostra (triste) bem clara dos erros de fundo da União Europeia na energia. A ciência existe. A política é que baloiça e os interesses se digladiam.