Sem dúvida que a pandemia, numa primeira observação superficial, parece ter contrariado a globalização, ao semear o caos nas cadeias logísticas, na migração dos trabalhadores e nos fluxos de viagem.

Contudo, um avisado gestor de uma organização, que se queira resiliente e liderante, não pode deixar de levar em conta os desafios que emergem da pandemia, no que toca à gestão das pessoas.

Muitos trabalhadores não querem voltar a tempo inteiro ao escritório e, por inerência, a terem que viver perto do mesmo, especialmente quando os escritórios corporativos têm, agora, uma função meramente simbólica ou decorativa. Qual o sentido de passar duas horas no trânsito?

Um trabalho que dignifique os seres humanos e que permita um melhor equilíbrio entre vida pessoal, familiar e profissional. É o que todos queremos. Por isso os trabalhadores querem voltar, ocasionalmente, ao escritório, mas poucos o querem fazer todos os dias. Infelizmente as confederações patronais sentadas na construção jurássica chamada de Conselho Económico e Social (não confundir com os CES das Regiões Autónomas, espaços de diversidade e pluralidade) não percebem ou não querem perceber a realidade.

A tecnologia permitiu, para os trabalhadores do conhecimento, o desemparelhar do trabalho de um local físico. E isso, implica, entre outras coisas, a necessidade de perceber que a cultura da organização não é algo que exista no interior de umas paredes, mas dentro das pessoas. Adeus políticas de presentismo. Chegámos à era da construção da cultura assente em valores, métodos de trabalho, atitudes, mas construída e mantida fora dos edifícios corporativos.

E claro, o Teams, o Zoom e o Webex tornaram-se os grandes fomentadores da igualdade. Dando uma machadada séria na politiquice de escritório, desanuviando ambientes de trabalho e o nepotismo que minam o ideal meritocrático das organizações que perseguem uma verdadeira centralidade no talento e nas pessoas. É muito mais difícil o papel daqueles que fingem que trabalham, quando não está ninguém a reparar neles.

Se a tecnologia, os valores e as atitudes tornaram possível trabalhadores mais produtivos, felizes e equilibrados, é justo relembrar que a disputa pelo talento é das coisas mais maravilhosas a que vamos assistir. São boas notícias para os trabalhadores do sector financeiro, formação profissional e serviços profissionais. Entre outros.

E por isso, cultura de empresa, condições de aprendizagem e progressão profissional, horários ou locais de trabalho flexíveis, aumentos salariais, são o novo normal das empresas com perspectiva global e que escolheram Portugal como base de prestação de serviços para todo o mundo. Os outros, os jurássicos, que ocupam as notícias por lapsos de memória de dirigentes, bónus surreais para um punhado, e propostas de aumento zero para todos ou outros, a esses apetece dizer que ficaram parados no tempo, mas que os seus trabalhadores estão em movimento.

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.